Um
planeta sem cores
Flicka tinha grandes
olhos verde-escuros, um corpo esguio, cabeça lisa e um tom de pele róseo, quase
branco. Era considerada bonita no meio em que vivia. Estava ali, na frente do
comandante geral, Ragnar, explicando os problemas que estava tendo. Ele já os
conhecia, mas queria sentir pessoalmente como ela estava sendo afetada por toda
a situação. Além disso, queria submetê-la ao “leitor mental”, uma máquina
consideravelmente grande, onde era possível ver-se, numa enorme tela, o que se
passava na mente do “paciente”. Flicka, vestida com uma túnica sintética de cor
cinza, bem clara, estava agora deitada e com conectores muito pequenos ligados
à sua cabeça. Com um simples agitar de mão, Ragnar ligou o aparelho e imagens
começaram a aparecer na tela. Vales, montanhas nevadas, campos, rios, o oceano.
Uma visão magnífica de cima, de paisagens da Terra. Era como se um pássaro
ligeiro, com uma câmera sofisticada, estivesse filmando tudo do alto. Isso era
o que estava no cérebro de Flicka. Por alguns momentos, Ragnar transformou as
imagens em holografia, mas depois voltou à tela normal. Após alguns minutos,
desligou o aparelho. Já tinha tudo que precisava saber.
Seria normal se
Flicka, pelo menos uma vez na sua vida, tivesse visto qualquer coisa da Terra.
Ela era quase uma criança para quem vive quase duzentos anos. Tinha apenas 22.
Seu embrião foi obtido com material humano que também nunca tinha tido contato
com a Terra.
Jern havia sido
colonizado pelos humanos há mais de dois mil anos. Era um planeta cinzento,
feito basicamente de rochas. Havia oásis e água, certos tipos de vegetação,
grandes oceanos, mas, por vários
motivos, nem de longe, nada do que havia lá, lembrava as cores exuberantes de
nosso planeta. Propositadamente, desde que os primeiros colonizadores chegaram,
evitava-se a todo custo, qualquer coisa que lembrasse a exuberância terrestre.
Não se queria distúrbio algum nas mentes dos Jernianos. Se você só conhece o
cinza e outras tonalidades semelhantes, esse tom vai ser bonito para você.
Ragnar sabia que, em
arquivos secretos, havia quantidade enorme de filmes, projeções holográficas e outras
imagens do planeta de origem. Entretanto, ninguém tinha acesso a ele. Ragnar
que tinha quase 200 anos de idade, fizera uma única e longa viagem à Terra, há mais de 60 anos. Ele,
entretanto era treinado e jamais seria afetado pela beleza das cores, da
paisagem.
Como Flicka estava
tendo essas visões quando dormia ou mesmo acordada? Ragnar e suas “máquinas
pensantes” estavam analisando o cérebro de Flicka e não encontravam resposta.
Nenhuma explicação, nem de longe, conseguia trazer um pouco de luz para o fato.
Algo escondido no DNA, que depois mais de 30 gerações, estaria agora se
manifestando? Lógico, que, em última análise, os primeiros materiais genéticos
tinham vindo da Terra.
O planeta Jern era muito
importante para o sistema de colônias terráqueas. Lá havia materiais raríssimos
e eles eram importantes para sofisticadíssimas máquinas de inteligência
artificial e robôs de última geração. Todas as colonias e estações a uma
distância espacial razoável se utilizavam desse material. Ragnar era muito
precavido e não queria nem pensar em uma “onda saudosista” da Mãe Terra, depois
de quase dois milênios de trabalho e avanço teconológico naquela parte inóspita
do espaço. Seria demais ter “saudades” de um planeta que você nunca viu. Mais
do que tudo, seria muito perigoso.
Ragnar ainda não tinha
comunicado nenhuma decisão a seus subordinados. Todos sabiam, entretanto, quais
seriam suas determinações. Com certeza, deletaria todas as imagens da mente de
Flicka, por precaução. Poderia haver outros casos.
A única coisa que
adiantara para as pessoas imediatamente sob seu comando foi:
- Essas “cores” podem
ser muito perigosas. Não precisamos delas, pelo menos por aqui...
Na Terra, as mesmas
cores exuberantes dos últimos milhares de anos, continuavam a causar admiração
para qualquer nave que estivesse chegando ou voltando. Nessa nova fase da civilização,
em que o homem tinha espalhado colônias para além do sistema solar, os únicos
tons que sutilmente imaculavam - ou talvez acentuassem - a fabulosa e colorida paisagem,
cheia de mil nuances naturais de nosso planeta, era um prateado, quase mágico –
de um material muito especial - que se
via cá e lá, incrustado nas incríveis instalações, maquinários e equipamentos
que eram características daquela admirável era pela qual passava a humanidade: o
ano de 5.347 DC.
Ironicamente, quase
todo esse material precioso tinha vindo de Jern, através de longas e demoradas
viagens, feitas por cargueiros
espaciais, aos longos dos últimos 2000 anos.
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