O trem das onze
O trem
das onze
Em 1967, não era fácil arrumar uma vaga num curso de ensino médio, na época
chamado de “científico” ou “clássico”. Na região de Perus, mais difícil ainda.
A escola que eu arrumei foi no Bom Retiro e se chamava “Dr. Alarico Silveira”.
Trabalhar durante o dia era óbvio, portanto tínhamos que estudar à noite.
O
trabalho era na Avenida Celso Garcia. Saía às seis da tarde, pegava o ônibus
Penha-Bom Retiro e chegava em cima da hora para as aulas noturnas. Os
professores eram ótimos e a gente fazia o que podia para acompanhar, cansados
que estávamos. Era, no entanto a melhor parte do dia.
O
problema era depois. Após a quinta aula, tínhamos, eu e meu colega de Perus, o
maior desafio do dia. Saíamos como corredores de 100 metros livres da Rua dos
Italianos, passávamos pela Rua Júlio Conceição e “voávamos” pela José Paulino
para chegar até a Estação da Luz. Ainda bem que não havia uma alma viva na rua
para atrapalhar. Era o último trem, o trem das onze. Não sei se era exatamente
às onze, onze e cinco ou onze e trinta. O que eu sei é que tínhamos no máximo
10 minutos para chegar. Gosto de falar o “trem das onze” por causa do Adoniran
Barbosa.
Quando
chegávamos na ponta da escadaria de madeira, suspirávamos aliviados de ver o
subúrbio ainda lá. O maquinista era nosso amigo, embora apenas o víssemos de
raspão ao correr para as portas automáticas. Ele sabia que a gente sempre
chegava no sufoco. Muitas vezes, as portas estavam fechadas e quando ele nos
via despencando pelas escadas, ele as abria novamente. Para ser sincero, acho até
que, mesmo antes de nos ver, ele dava uma esperadinha. Dois anos mais tarde,
ficamos sabendo que ele morreu naquele horrível acidente de 69 na Santos a
Jundiaí. Nunca pude agradecer.
O
pessoal do trem era sempre o mesmo, quase todos estudantes. Nossos assentos
eram “marcados”, sempre sentávamos no mesmo lugar. Tentávamos conversar, pois
se pegássemos no sono, corríamos o risco de ir parar em Francisco Morato. Já
pensou? Tínha de me levantar no dia seguinte às cinco para pegar de novo o
trem. Seria uma calamidade.
Juntávamos
as últimas forças, subíamos o Morro do Cartório. Lá em cima eu virava para a
direita na Rua Dona Rosina e ele ia para a esquerda.
Como
diz a música, “minha mãe não dormia enquanto eu não chegava”. Além disso, ela
invariavelmente tinha um prato de sopa de feijão me esperando. A Dona Eleta,
sempre preocupada comigo. A aquela minha vida era muita correria. Mas nós
éramos jovens e aguentávamos. Dia seguinte, cinco da manhã, morro abaixo, trem
cheio desta vez, Brás, Celso Garcia... Começava tudo de novo. Perus mesmo, de
dia, só no final de semana. Em compensação, a gente dormia até a hora do
almoço...
Essa vida da gente
o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o
Essa vida da gente
Para adquirir este livro no Brasil
--------------------
Para adquirir este livro nos Estados Unidos
No comments:
Post a Comment