Sonho de uma noite de inverno
Sonhei. Era uma grande
parada. Uma avenida sem fim. Eu estava vestido de trapos como todos os outros
assistentes dos dois lados da avenida. Os carros alegóricos e os grupos iam
passando lentamente. A música era ensurdecedora e as imagens muito vivas, me pareciam
muito reais.
No
primeiro grupo vinham vários homens bem vestidos, uns com ternos, outros com
fraque, fumando charutos, felizes, rindo à toa. Punham as mãos nos bolsos e
atiravam cédulas para a multidão que assistia. As pessoas, ávidas, pulavam para
pegá-las, mas elas batiam num grande vidro e caíam de volta no chão, aos pés
dos magnatas que sobre elas andavam. Já havia uma camada bem grossa de
dinheiro, tanto assim que eles já estavam mais altos agora. Eles riam vendo o
povo desesperado tentando pegar as notas, batendo-se uns contra os outros e às
vezes contra a parede de vidro.
Mais
atrás, sobre o carro, vinha uma grande mesa com homens e mulheres, também bem
vestidos, comendo manjares deliciosos e bebendo vinhos raros. As mais incríveis
especiarias estavam dispostas diante deles. Comiam e bebiam, bebiam e comiam. A
multidão, dos dois lados, faminta, tentava subir sobre o tablado. Mas ele
estava untado com o azeite que corria dos pratos, todos escorregavam e ninguém
conseguia. O aroma delicioso passava sobre todos.
Depois
vinha um grupo de pessoas estranhas. Pela frente estavam bem vestidos,
chiquérrimos, por trás tinham uma roupa comum. Quase todos tinham atrás de si
um pequeno cartaz que dizia “a verdade” ou “the truth”, ou “la verdad”, ou “la
veritá” ou “la verité”. Havia outras línguas desconhecidas também. Eles andavam
para lá e para cá, conversando, gesticulando e toda vez que passavam por um
espelho, no centro, surpreendentemente, outra palavra, diferente, nele se
refletia: “lies”, “mentiras”, “mensonges”, etc. Volta e meia, algum deles se
virava para o povo e cumprimentava alguém, sacudindo as mãos. Rapidamente se
afastavam e, ao fazê-lo, a pessoa cumprimentada ficava nua.
Depois veio
um grupo de pessoas ajoelhadas. Cada um tinha uma túnica de diferente cor.
Tinham a a cabeça baixa e, de vez em quando, olhavam para o céu. Mas logo,
logo, uma névoa os cobria. Podia-se ver dinheiro caindo de cima mas ele
desaparecia antes de tocar o chão. Os vultos apareciam de vez em quando,
novamente, parcialmente vistos dentro da névoa. Muitas pessoas também se
ajoelhavam ao ver o grupo passar.
Uma visão
ainda mais insólita então se sucedeu. Um grande tubo despejava do alto uma
infinidade de coisas. Quando chegou perto de mim, pude ver que eram telas com
pinturas, livros, computadores, câmeras, televisores, telefones, fios e cabos
que saíam pela ponta e desapareciam dentro de um grande cálice. No pé do mesmo
havia uma torneira por onde saía um líquido que mudava de cor.
Veio então
um grupo de pessoas que pareciam normais. Alguns usando barbas, outros não,
mais outros de bigode, homens e mulheres, crianças também. Vestiam roupas
comuns, nem baratas nem caras. Ao passar pela multidão, iam pulando do carro e
se juntando aos outros. Ao fazê-lo sua vestimenta se transformava em trapos.
Ao longe
consegui ver o último carro do desfile. Homens armados e vestidos com
camuflagem, atiravam nas pessoas dos dois lados do cortejo. Mais perto,
conseguia ouvir o grito das pessoas feridas, das pessoas morrendo, caindo sobre
o próprio sangue derramado. A procissão começou a acelerar e de repente, me vi
sob a mira de um dos homens.
Antes que
ele pudesse atirar, eu acordei. Foi apenas um pesadelo, como tantos outros. Não
há nada que temer.
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