Se eu morrer amanhã
Se eu morrer
amanhã, e tiver que ficar em frente ao
Criador, acho que não vou ficar muito preocupado. Primeiro, porque acho que não
fui tão mau assim. Claro, besteiras todos nós fazemos. Em segundo lugar, o
tamanho das besteiras depende dos olhos de quem as vê. Para Ele sequer pensar
em mandar alguém para as chamas malditas, vou lhe dizer, precisa ser uma
besteira muito grande. Ademais fiquei pensando... Olha esse universo absurdo que
nos cerca. Bilhões de estrelas, muitas mil vezes maiores que o nosso céu. Ainda
por cima, existe gente que desconfia que há outros universos que não
conhecemos. Francamente, acho que Ele não teve tempo de se preocupar com
uma coisa tão vulgar como o inferno.
Claro, existem aqueles monstros horríveis, assassinos cruéis, bem que eles precisariam de um grande
castigo. Acho que, na verdade, eles são um erro de fabricação da natureza, e
simplesmente, o Criador os manda de volta para remanufaturar.
E se não existir nada
depois da morte? Deus pode existir, mas pode ter nos criado só por um tempo
limitado, o tempo aqui da terra. Já pensou nisso? E aí?
Ainda assim não faz
mal. Fico me lembrando de tantas pequenas coisas, tão maravilhosas, que cada
uma, por si só, já valeu a pena.
Aquele sorriso gostoso que recebi da mulher
amada em 1969. Tantos outros sorrisos gostosos, sinceros, honestos, recebidos
aos longos dos anos, de tanta gente boa. Quantas alegrias inusitadas, por
pequenas e grandes coisas, que foram acontecendo ao longo da existência. O
cheiro de café que eu sentia, quando criança, ao entrar na venda de meu avô.
Quando entrei na faculdade. Quando li o primeiro livro do Machado de Assis. E o
Grande Sertão: Veredas, do Gumarães Rosa? Os poemas da Cecília e do Mário
Quintana. Quando dei a primeira aula. Quando tive meu primeiro fusquinha, azul,
1967. As flores, de todas as cores, tantas que eu vi. Quantos aromas,
deliciosos, divinos... O cheiro da comida que minha mãe preparava. Pimentão,
alho e cebola fritando para depois temperar o feijão. As garotas do colegial. O
perfume da Cecília, quando ela passava...O rostinho da loirinha, cujo nome
nunca soube. A morena do trem, o amigo zeloso, sempre pronto para ajudar. Minha
família...
São tantas pequenas
coisas, que, juntas parecem maiores do que esse céu enorme que vejo à noite.
Quem quer que tenha feito tudo isto, muito obrigado! Nada mais é preciso, se
vier, é lucro. A minha eternidade foi a minha vida!
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