Uma nova ordem na Terra
Adrian, responsável pela nave de inspeção ao
longo do Atlântico americano, voava lentamente sobre o que tinha sido a
costa da Flórida. As águas do oceano tinham entrado consideravelmente no
terreno do antigo estado americano dos dois lados: pelo lado do Atlântico e
pelo lado do Golfo do México. O que havia sobrado era uma estreita faixa de
terra. Toda a costa, até o Canada, estava recuando, invadida pelo Atlântico.
Menos terra habitável não era a melhor notícia, agora que a população
havia aumentado muito. Desde o virar do milênio, há quatrocentos anos atrás,
apesar do fortíssimo controle de natalidade, as áreas habitáveis do planeta
eram cada vez mais escassas. Numa espécie de contra-ataque contra a invasão das
águas, os humanos invadiram o mar com suas cidades flutuantes. Novos materiais,
levíssimos, indestrutíveis, eram a base das novas comunidades “marítimas”
ou “watercities”, como as chamavam os americanos do norte.
Adrian ficaria por mais três dias fazendo seu
trabalho no espaço. Nem seria necessária sua presença, pois os computadores
faziam o monitoramento automaticamente. No entanto, havia inúmeros serviços
desse tipo. O objetivo era manter as pessoas ocupadas, livrá-las do que era
conhecido como “aborrecimento existencial”. E funcionava. Ele falava bastante
com seu computador, trocava ideias. Naquele exato momento, Stan, a máquina
encarregada da sua “estação”, estava mostrando imagens do longínquo ano 2020,
mapas da costa americana, e o antigo formato do estado da Flórida. Era
impressionante como tudo havia mudado. Aparentemente, o ser humano não se
abateu com a invasão das águas. Aquelas construções, que compunham as cidades
marítimas, eram lindíssimas. O tempo todo, Adrian podia ver o cintilar cor de
prata, cor de ouro, às vezes, dos pequenos edifícios e dos conjuntos
habitacionais. Conforme a “Coastsearch”, sua nave, ia deslizando pelo ar,
passava também, a cada pouco, por grandes – enormes mesmo – balões azuis, cuja
função era desviar alguns tipos de raios solares, agora muito mais perigosos,
por causa dos danos causados à atmosfera nos séculos anteriores. Isto também
estava sendo resolvido pelos cientistas desse novo mundo. Adrian ficava
perplexo, num verdadeiro estado de incredulidade, enquanto Stan relatava tudo
que o homem tinha feito contra a Natureza nos séculos XIX, XX e XXI. Era
difícil entender como seres dotados de inteligência pudessem ter chegado a esse
ponto. Nos últimos dois séculos tinha havido uma verdadeira revolução em toda a
civilização humana. Era uma nova Terra, em todos os aspectos.
De repente, enquanto seu pensamento voltava no
tempo, o “Megacom”, serviço internacional de notícias, interrompeu a
apresentação para atualizar o noticiário. Nos últimos três meses só se
falava do grande meteoro “Hairstorm”. A primeira tentativa de detê-lo, há
cinco meses, tinha falhado. A explosão causada pelas sondas enviadas pela
“Coligação Mundial” tinha apenas tirado uma grande lasca, mas não tinha
interrompido sua trajetória de colisão com a Terra. Obviamente todas as
grandes nações tinham se unido e havia um segundo grande plano que entraria em
execução dali a 11 dias, duas semanas antes da fatal colisão. Realmente
Adrian tinha notado um tráfego incomum de naves espaciais para as colônias
da Lua e de Marte. Dali era muito fácil observá-las saindo da Terra.
Aparentemente essa enorme movimentação estava relacionada com o projeto
destruição do “Hairstorm”. Verdade era que aquelas naves eram destinadas
principalmente ao transporte de seres humanos e não de equipamentos.
Provavelmente tinham sido adaptadas diante da emergência. As biosferas tanto em
Marte, como na Lua, agora eram em grande número e podiam comportar uma
quantidade enorme de seres humanos. Além disso, em Marte o processo de
“terraformação” havia se iniciado. Uma tênue atmosfera já se formava.
Nas últimas horas, entretanto, praticamente não
se via mais nenhum lançamento. Provavelmente tinham transportado tudo de que
precisavam. As autoridades não estavam alarmando a população. Talvez porque
isso de nada adiantasse, talvez porque a situação estivesse completamente sob
controle. Adrian estava preocupado, mas não muito. Tinha completa confiança nos
governantes. Depois de assistir ao noticiário, resolveu dormir. Aliás,
ele nem prestou muita atenção, de tão sonolento que estava. Mas tinham dito
qualquer coisa de alteração de dados. Algo havia mudado nos prognósticos.
Resolveu que iria descansar algumas horas e, então, se atualizaria novamente.
Não havia com o que se preocupar, tudo estava sob controle.
Adrian dormiu cerca de cinco horas. Acordou e
seu primeiro ato foi sentar-se frente ao “Megacom”. Para sua surpresa, não
havia sinal. Pior ainda, Stan, seu companheiro computador, não estava
“conversando” com ele também. Ele estava, entretanto, funcionado, pois a nave
voava regularmente. Logo a seguir, ouviu alguns sons sibilantes, seguidos de um
barulho metálico. Alguma coisa estava atingindo a “Coastsearch”, isso era
óbvio. Olhou para longa linha da costa e notou outra coisa estranha. Havia
pontos de luz, em pleno dia, aparecendo e sumindo, principalmente nas
“watercities”. Olhou, então, para dentro do continente, até onde a vista
alcançava. Percebeu que algo muito diferente estava acontecendo. Havia
incêndios por toda a parte. Agora podia ver melhor, pois estava usando seu
módulo de visão, uma espécie de telescópio.
De repente, tudo ficou claro. O meteoro tinha
se desmantelado em milhares de partes e estava caindo sobre a Terra. O tempo
todo, nos últimos dias, estavam mentindo no noticiário. Não queriam alarmar a
população. Aos poucos a situação estava se tornando insustentável. Podia ver
passando perto dele, enormes bolas de fogo. Eram, obviamente, pedaços maiores
do “Hairstrom”, que se incendiavam ao entrar em contato com a atmosfera. As
naves espaciais... Era bem evidente agora, sua missão. Resgatar as pessoas
importantes para o sistema, aquelas que deviam sobreviver. Tinham fugido para
Marte e para a Lua. Voltariam mais tarde, se houvesse condições. A situação lá
embaixo estava piorando. Pedaços enormes do meteoro atingiam agora o continente
e o mar. Era uma questão de minutos até que uma bola de fogo o atingisse.
Adrian pensou rapidamente em seus amigos, aqueles que, nesses novos tempos,
eram considerados “família”, pois a de antigamente não existia mais. Ele
resolveu se trancar num dos compartimentos de sua nave. Não queria mais ver
aquela cena medonha, a terra sendo destruída. Não houve tempo, porém. Tudo que
ele viu, por uma fração de segundo, foi uma enorme esfera de fogo. Depois tudo
sumiu.
Lá embaixo, a situação era catastrófica. Havia
pontos de incêndio em todo lugar. Todos os meios de comunicação estavam fora do
ar. O sistema baixo de transporte aéreo, a grande revolução do transporte coletivo do
último século, estava completamente destruído. Apesar de todos os recursos
disponíveis para situações de emergência, nada funcionava mais. Não havia
ninguém para operá-los. A morte se espalhava por toda a parte. O futuro
imediato do planeta estava incerto.
Se a Terra sobrevivesse, teria de recomeçar
praticamente do zero, e reconstruir a quase totalidade de sua infraestrutura.
Tudo iria mudar. Os privilegiados sobreviventes, que haviam se refugiado nas
colônias, voltariam quando fosse seguro. Haveria uma nova ordem em nosso mundo.
Uma nova ordem, da qual Adrian não
participaria.
ooooOOOoooo
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