Meu
conto de Natal
Não
é apenas um conto, realmente aconteceu. O Natal estava chegando e a família
toda foi para Santana do Parnaíba. Uma longa viagem, embora não pareça. O
primeiro trecho era de trem até a Lapa. Depois, outro trem, da Sorocabana, até
Barueri. Depois, finalmente o ônibus, até Parnaíba. Cinco, seis horas? Não sei,
quem contava? Era tudo festa. Pai, mãe, crianças, malas. Lá nos esperavam tios,
tias, avôs e avós. Devia ser muito pequeno, pois é o primeiro Natal de que me
lembro. Certamente os anos eram os 50.
Era
tudo novidade. A venda do meu avô, com todos aqueles doces e balas, sem
restrição. A gente correndo por entre os sacos de feijão e arroz. Eu me lembro
até daqueles rolos de fumo de corda, cuja utilidade então eu não entendia.
Havia
também o quarto de minha vó Antonia. Lembro-me de abrir a primeira gaveta de
baixo da cômoda, de pisar nela para alcançar a última e... tomar posse daqueles
binóculos antigos. Depois colocava uma cadeira junto à janela e começava a
minha pesquisa. No começo era difícil. Não conseguia acertar o foco, vinham
aquelas cores do arco-íris, tudo era nebuloso. Depois, porém, tudo se firmava.
Podia ver o velho Ford na rua de baixo, o homem com sua carroça mais à frente,
crianças brincando mais adiante ainda. Era um milagre. Aquele aparelho era uma
mágica.
E
a noite de Natal estava bem perto. Alguém me explicou que, de manhã, eu tinha de olhar embaixo da cama, para
ver o que o Papai Noel tinha trazido. Quando percebi, a noite chegou e com ela
o dia seguinte. Assim que acordei, eu me lembrei das orientações e fui ver o
que estava me esperando. Lá estava um caminhãozinho de madeira. A cabine era de
um vermelho vivo, a carroceria eram três pequenas tábuas cercando o perímetro
da carga. A carga? Uma bolinha de gude. Decepcionado? Que nada, eu estava encantado. Posso ver até
hoje, todos os detalhes do meu maravilhoso presente.
Meus
primos ganharam muito mais presentes e bem melhores. Mas eu não sabia disso.
Certamente seus pais podiam, os meus não.
Nunca liguei para essas coisas. Aquele foi, de longe, o melhor presente de Natal
de toda minha vida.
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Essa vida da gente
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