Um trem
muito louco
Estava
ali na estação, esperando pelo meu trem. Graças a Deus, não era subúrbio, era um
daqueles bem confortáveis, de longo
percurso. Ele chegou e nós partimos. Acelerou tão rápido que até me assustei.
Num instante alcançou tão alta velocidade que pensei ter entrado, por engano, num avião.
Provavelmente era movido a energia atômica ou plasma, vai se saber. Daí percebi
que ele não respeitava trilhos, fazia seu próprio caminho. Num instante tinha
passado pelo Paraná e já estava em Santa Catarina. Louco, desvairado trem. Vi a
beleza do Sul, vi Gramado e Canela. Vi alemães falando alemão de verdade e, num
piscar de olhos, lá estava eu nos Pampas Gaúchos. Do churrasco, só o cheiro. Uma
beleza sem fim, danado de trem.
Não
sei que atalho ele pegou que, de repente, estava nos levando de volta para o
Norte. Depois de passar pelas praias do Rio, sem incidente nenhum, dá para
acreditar, varou como um raio pelo litoral do Espírito Santo e diminuiu um
pouco a velocidade na Bahia. Acho que era para a gente poder olhar aquela
beleza de mar. E o mesmo fez com todo o Nordeste. Foi mostrando aquela areia
bonita, aquele sol insolente escancarando a paisagem. Mas, acho, ele estava com pressa. Quando
percebi, já era o rio Amazonas que serpenteava ao longo de nosso caminho. Às
vezes ele se aproximava perigosamente das águas. Pudemos ver índios caçando
animais, homens caçando índios e índios,
nunca antes vistos, se escondendo dos homens brancos. Fomos longe, bem longe,
dentro da mata, e depois começamos a virar para a esquerda, Estávamos descendo.
Vi jagunços derrubando árvores. Madeira
de lei. Vi outros caçando animais e prendendo pássaros que eram para estar
voando.
De
repente, pude ver lá na frente uma paisagem muito conhecida. Eram os prédios de
Brasília. Palácio da Alvorada, Praça dos Três
Poderes e outros estranhos poderes que não estavam em prédio nenhum. O
trem diminuiu muito a velocidade. Estava quase parando. Entretanto, quando ninguém
esperava, começou a acelerar de novo, como doido, como se quisesse passar logo
por lá, passar por cima de tudo, como se quisesse fugir. E assim fez. Desta
forma, quando passávamos pela Esplanada dos Ministérios, a velocidade era
alucinante. Foi aí que aconteceu o que não poderia acontecer. O trem
descarillhou. Não sei como, acabou atingindo o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional.
Foi uma confusão geral. Levantei-me dos destroços e me apalpei bem para ver se
tudo estava em ordem. Por todo lado, porém, havia muito grito e muita dor. Funcionários
públicos mancando, deputados e senadores, andando a esmo, perdidos naquela
esplanada sem fim. Desesperados, sem seus gabinetes, sem seus assessores. Não
havia mais status nem ordem, nem a estabelecida, nem nenhuma outra a ser
instituída. Acho que nem um Ato Institucional funcionaria, nas circunstâncias.
Dava
dó ver aquela gente tão importante ali, desesperada, como se fosse uma gente
qualquer. Aquilo era o caos, o fim do mundo, o inimaginável.
Ou
será que era o recomeço de uma linda e maravilhosa época, de uma paz e
prosperidade sem fim?
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