Teatro no ônibus
Tilico,
apesar de pobre, sempre gostou de teatro. Quando era muito pequeno, e ele ainda
estava na escola, a professora trouxe um grupo teatral que se apresentou no
pátio do estabelecimento. Ele se lembrava de todos os detalhes e se apaixonou
pela arte.
Nunca
teve chance, porém. Não demorou muito e precisou abandonar a escola. Logo
depois morreu seu pai e, logo a seguir, sua mãe. Cada filho foi parar numa
família de parentes. Todos tinham seus problemas, mas deram um jeito de não
deixar os pequenos abandonados.
Depois
que fez 14 anos, entretanto, arrumou um trabalho que, pelo menos, dava para
financiar suas próprias coisas, uma vez que comida e moradia seus tios
conseguiam prover. Todo dia pegava um ônibus de manhã e voltava no final da
tarde. Sorte sua, o emprego era em outro bairro e não no centro e, por isso, o
ônibus não era tão cheio. Foi aí que ele teve aquela ideia. Fazer uma mini peça
de teatro e se apresentar ali, no ônibus mesmo. E se o pessoal gostasse? E se
alguém o visse e conhecesse alguém de teatro? A gente deve tentar sempre, não
deve? Além disso, os passageiros tinham de ficar aquela meia hora na condução
mesmo, por que não diverti-los com um pouco de arte?
Fez
um enredo, bem simples, com dois personagens. Um deles era um garoto da idade
dele mesmo. Ele fazia os gestos e as falas, O outro personagem era um adulto.
Ele tinha de fazer também. Quando chegava a hora do outro falar, ele ficava de
costas e imitava voz de adulto. O enredo era que um assaltante – o adulto – chegou
e apontou a arma para ele, um funcionário. Daí ele fez um pequeno diálogo em
que o seu personagem tenta convencer o
assaltante a desistir daquilo e ir embora. E ele está quase conseguindo fazer
isto, pois aquele era o primeiro crime do outro personagem. Uma tragédia porém,
acontece. Quando o “criminoso”, concorda com ele, abaixa a arma e se prepara
para sair, desistindo do assalto, uma mulher que está entrando no
estabelecimento, dá um grito. O homem armado se assusta e dá um tiro, sem
querer, nele, o “funcionário”.
Foi
nessa parte que Tilico teve a ideia de esconder um papel celofane vermelho por
dentro da camisa. Na hora do tiro, ele põe a mão no peito e puxa,
disfarçadamente, o celofane para imitar o sangue correndo.
As
pessoas que usavam aquele ônibus começaram a gostar da história, mesmo já
sabendo do final. Além disso, sempre havia alguns passageiros novos. Dessa
forma, ele acabou se tornando uma pequena estrela naquele reduzido mundinho do
ônibus. Aquele era seu palco.
Já
fazia um mês que Tilico estava dando seu espetáculo. Naquela segunda-feira, ele
pensou em algumas inovações. Mudou um pouco o diálogo e para fazer o papel do
outro personagem, ao invés de ficar de costas, ele mudava rapidamente de lugar
e punha um boné para fazer o papel do bandido.
Estava
feliz com os ajustes e subiu todo confiante na condução. E, como sempre fazia,
depois do segundo ponto, quando o motorista pegava uma pequena estrada que
ligava os dois bairros e onde não havia muita gente descendo e subindo, ele
começou com vigor. O seu personagem principal cantarolava e arrumava as coisas
na prateleira do pequeno mercado imaginário onde trabalhava. De repente, para fazer o
papel do assaltante, ele pulou para o outro lado, pegou uma arma de madeira,
pintada de preto e gritou:
-É
um assalto, fica aí parado!
Os
passageiros sabiam que aquele era o momento em que o funcionário começa tentar a convencer o assaltante de
desistir daquilo, o que seria do futuro dele numa cadeia, etc...
Algo
muito estranho então ocorreu e todos demoraram um pouco a entender o que era.
No início, acharam que o Tilico se enganara e que puxara o celofane vermelho de
dentro da camisa na hora errada, uma vez que ainda não estava na hora do sangue.
Não entendiam também por que tinha havido aquele barulho de tiro que era só
para acontecer no final da peça.
Foi
aí que viram um policial vindo de trás do ônibus, ainda com a arma em punho.
Ele estava dormindo, acordou com com a frase “É um assalto, fica aí parado!” e
puxou a arma. Um espectador inesperado, que não conhecia o enredo, que não
conhecia a peça, que não conhecia o ator.
O
celofane não era celofane, era o sangue verdadeiro do Tilico. A arma do policial
também era de verdade. Ninguém conseguia acreditar no que tinha acontecido, no
engano. Um tiro bem no coração do ator único e principal.
O
Tilico jazia ali no chão, o sangue de
verdade escorrendo no peito, a camisa toda ensaguentada.
Essa
foi a maior e última apresentação do grande ator. Foi o maior papel da vida de
Tilico, o mais realista.
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Essa vida da gente
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