Irmãos,
irmãos, negócios à parte
-Sr. Leo, está reconhecendo esta voz? Obviamente é
sua...
-Não consigo entender, é minha voz, mas eu nunca falei
isso...
-Explique melhor, Sr. Leo. Não estamos entendendo...
Leo não respondeu e um dos dois investigadores rodou
novamente a gravação. Era impressionante. Ao mesmo tepo que Leo tinha certeza
de que não falara aquilo, tinha também certeza de que aquela era sua voz.
Estava zonzo, não entendia nada. A conversa era entre uma pessoa que para os
investigadores era ele e mais dois homens. Estavam planejando um assalto a
banco. Havia muito detalhes e os bandidos resolveram gravar para se lembrar depois.
Dois deles foram presos logo após a bem sucedida empreitada e na casa de um
deles apreenderam todos os tipos de aparelhos e depois de inspecioná-los,
acharam a conversa incriminadora. O terceiro homem que os investigadores haviam
prendido seria Leo, o chefe do bando.
Era certamente um pesadelo. Leo era daquelas pessoas
que você pode considerar quase perfeitas. Daquelas que nos filmes policiais se
fala que “não tem nem multa de trânsito”. Prenderam-no de manhã em seu
trabalho. Estava assustado e tentando entender o que estava acontecendo. Era
uma pessoa normal, jamais tivera qualquer problema com a polícia. Morava
sozinho, tinha uma noiva, pretendia casar-se em um ano. Estava arrasado. Não
sabia o que o atormentava mais: a vergonha de estar preso ou o medo de ser
condenado por algo que não tinha feito.
Na parte da tarde as coisas pioraram. Os outros dois
comparsas – comparsas segundo a polícia – cada um em separado, confirmaram que
aquele era, sim, o seu chefe Marvin. Claro, os investigadores imediatamente
deduziram que Marvin era seu nome de guerra e Leo era seu verdadeiro nome. Leo
viu as coisas se complicando, pensou em sua noiva Nora. O que ela iria pensar?
E o emprego? Mesmo que tudo aquilo fosse um engano, não iam querer que ele
voltasse. O emprego...bem ele podia dizer adeus.
Foi tudo muito rápido. A polícia, os investigadores, o
promotor e o juiz agiram com uma eficiência nunca antes vista. No julgamento
ele ouviu várias vezes que as provas eram “conclusivas”, “gritantes”. Por falar
em gritar, era tudo que ele queria. Gritar contra a injustiça, gritar contra a
incompetência, gritar contra o sistema. Mas não podia, não dava. O seu
advogado, apontado pelo governo, além de ser extremamente inepto, acreditava
mesmo que ele fosse culpado.
E lá estava Leo na prisão, sua vida destruída.
Praticamente não tinha amigos e a noiva, por vergonha ou por decepção, não
vinha visitá-lo. Ficava ressentido pois mesmo os piores criminosos a sua volta
tinham visitas. Foi por isso que ficou admirado quando, depois de algumas
semanas, anunciaram que alguém queria vê-lo.
Leo estava esperando na sala própria para isso, quando
Marvin entrou. Quase caiu de costas. Parecia que era seu outro “eu” entrando.
No entanto, era loiro, certamente tingira o cabelo. Fora isso, ele era
exatamente igual. Quando falou, então, a mágica se completou. Era sua própria
voz.
-Sou seu irmão gêmeo...
-O quê?
-Sim, seu irmão. Você não sabia de mim mas eu sabia de
você. Você foi adotado por uma família de bem, e eu não queria envergonhá-lo ou
perturbá-lo com minha presença. Você sabe, minha profissão...Mas eu sempre
estive de olho em você...
-Você que assaltou aquele banco?
-Sim, infelizmente fui eu.
-Como você teve coragem de deixar que eu fosse parar na
prisão?
- Você vai entender. Primeiro queria terminar de
explicar...
Leo ouviu contrariado a história de Marvin. Não tivera tanta sorte como ele. O primeiro casal
que o adotou, divorciou logo em seguida e ele foi parar num orfanato. Daí para
frente só desgraça. Fuga, prisão para menores, violência, etc...Acabou virando
bandido. Mas ele era dos bons. Apontou o indicador para a testa e falava:
-Não sou como os outros, eu sei usar isso aqui...
-Estou vendo...Você também usou seu irmão para pagar
por seu crime!
Leo, na verdade, estava dividido. Seu coração pulsava
com a novidade de ter um irmão, alguém da família, finalmente. Por outro lado,
ele ali na prisão olhando para seu gêmeo, criminoso...Que sina.
- Vou tirar você daqui...
-Como?
-Deixa comigo, é melhor você nem saber. Mas como eu
estava falando lá atrás, você não sabia de mim, mas eu sabia de você. Sempre
acompanhei a sua sombra...Você se lembra de quando você ia perder seu carro
porque botou seu dinheiro em um investimento fajuto e ficou completamente quebrado?
Lembra-se do dinheiro que apareceu na sua conta? E aquela vez que aquele
vizinho doido estava deixando você
louco? Você estava morrendo de medo que ele se tornasse violento? Ele mudou,
não mudou? E foi por aí afora...
Leo lembrou-se
de quantas vezes fora salvo – na verdade, sempre – pelo destino. Pois bem , o
destino era seu irmão gêmeo, Marvin.
-Tenho de ir agora. Preciso “trabalhar”...Um advogado
vai visitar você e tudo vai ser esclarecido.
No dia seguinte, o Dr. Hernandez visitou-o na prisão. O
seu irmão havia se apresentado para a polícia, mostrado evidências
incontestáveis de que ele era o autor do crime. Ficou preso. Em questão de dias
Leo iria ser solto. O promotor já sabia, já concordara, era uma questão de
papelada, burocracia.
Demorou um pouco mais do que o esperado. Um dia após
ter chegado em casa, estava arrumando a bagunça, quando tocaram a campainha.
Uma carta com entrega especial. Dentro, um cheque administrativo. Um valor
significativo, praticamente o salário de um ano. Como Marvin tinha feito isto de dentro da prisão? Resolveu
que no dia seguinte iria visitá-lo na cadeia.
Os funcionários não diziam o que tinha acontecido. Mas
ele sabia que algo diferente havia ocorrido. Conversas sutis, movimentos
estranhos. Finalmente vieram até ele.
-Seu irmão não se encontra mais aqui.
-O que aconteceu? Foi transferido?
Deram um número para ele ligar. Ficou pensando que
talvez ele fosse algum bandido muito procurado – crimes graves – e quem sabe
tivesse sido transferido para uma prisão de segurança. Com isso em mente
dirigiu-se para casa. Para dizer a verdade, ele estava sentindo um orgulho estranho.
Seu irmão, um bandido famoso, inteligente. Talvez até fizessem um especial na
TV sobre ele...
Abriu a porta e ligou a televisão no noticiário.
Imediatamente percebeu que era uma edição especial de notícias. Leu o título da
manchete no rodapé da tela: “Fuga inédita deixa a polícia perplexa”.
Nunca pegaram o Marvin de volta. No entanto, de vez em
quando ele aparecia na vida de Leo, geralmente em forma de presentes ou
ajuda. Leo tinha orgulho dele mesmo
assim, seu irmão, um cara diferente...Ele pesquisou depois e decobriu que ele
nunca fora violento, só usava a inteligência e artimanhas para cometer seus
crimes. Realmente tinha mais orgulho do que vergonha. Mas isso ele guardava
para si mesmo, não falava para ninguém.
Agora sabemos como Leo ficou conhecendo seu irmão gêmeo
Marvin.
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