O
Abrigo
Tom
era obcecado com a ideia de que uma catástrofe poderia acontecer a qualquer momento e ele não estar
preparado. Talvez porque ele fosse sobrevivente do furacão Katrina ou talvez
porque ele tivesse participado da Guerra do Iraque, eu não sei. Para dizer a
verdade, embora ele dissesse que tinha mudado para o Colorado por causa de
negócios, desconfio que o verdadeiro motivo era que, para ele, lá as coisas
eram mais seguras. O negócio de segurança – que não era por acaso – que ele
tinha, estava indo muito bem. Conseguiu juntar um bom dinheiro e vivia numa
espécie de sítio ao pé de uma pequena montanha a apenas algumas horas de
Denver.
Vivia
sozinho. Isto talvez ajudasse a aumentar a sua obsessão. O fato é que ele via
conspiração, ameaça e perigo em tudo. Estava ligado em qualquer notícia que
envolvesse FBI, armas nucleares que outros países estavam fazendo, grupos
suspeitos, tudo. Embora o local onde estava vivendo fosse absolutamente calmo e
pacífico, sentiu necessidade de se proteger. Resolveu construir um “bunker”.
Primeiro escolheu o local: dentro de sua propriedade, numa parte mais alta, no começo
de uma colina e bem no meio de umas árvores. Lugar perfeito. Além de seguro,
ninguém viria bisbilhotar o que estava fazendo. Comprou ferro, concreto,
lâminas de aço e barras de ferro. Trabalhava à tarde depois que vinha de seu
escritório e durante os finais de semana. Demorou meses para construir tudo. O abrigo
tinha dois ambientes. Havia gerador de energia e tudo mais: combustível, água,
alimentos não perecíveis. Havia vários cabos que iam, enterrados, até bem longe
do bunker e mais alto na montanha. Se houvesse sinais de TV ou rádio após um
desastre coletivo, ele poderia captar lá de dentro. Pacientemente revisou todos
os itens, todos os detalhes. Finalmente estava pronto para qualquer evento.
Tom
agora estava bem mais calmo, bem mais seguro. Quase todo dia passava pelo seu
“bunker”, dava uma limpada, revisava as coisas. Quando tinha mais tempo, consumia
algumas horas lá dentro, lendo, meditando. De fora não se percebia nada. A
pequena escotilha fora habilmente disfarçada com plantas artificiais e o verde
se misturava com o resto da paisagem. Podia se dizer que, com seu “bunker” ,
ele havia comprado uma certa quantidade de paz.
Se
você prestar atenção no que acontece no mundo, uma boa parte das coisas é
absolutamente improvável. Depois que acontece, você fica se perguntando: Como
pode? Pois bem, veja só o que aconteceu na vida de Tom. Lá estava ele, num belo
sábado, descansando em sua varanda e olhando para a colina. Sim, aquela onde
estava seu esconderijo. Pensando na vida, pensando no seu irmão que morava na
Califórnia e que era bem diferente dele. Bom menino, no entanto. Bob era mais
novo que ele mas era bem independente, não precisava se preocupar. Estava
absorto em seus pensamentos quando ouviu um ruído sibilante, que, no entanto,
não pode identificar. Ação contínua, houve um grande estrondo e logo a seguir
uma coluna enorme de fumaça iluminada pelo fogo que rompeu logo depois. Tudo
isso atrás da colina. Tom trancou a casa e saiu correndo em direção a seu
abrigo. Enquanto corria, podia ver que o incêndio já se alastrava pela mata.
Entrou e se trancou lá
dentro. Imaginou que não teria dado tempo para pegar nenhum tipo de radiação.
Sim, com certeza, estava a salvo.
As
primeiras horas foram de muita excitação. Checou o gerador, checou a energia
elétrica, tudo funcionando. Tudo menos a antena externa. Não podia ver o que
estava acontecendo lá fora. As primeiras horas foram estranhas. Havia uma
mistura de medo, de alívio e ao mesmo tempo aquele clima de apocalipse. Depois
dos primeiros dias começou acontecer algo que ele, de certa forma, havia
previsto. As horas não passavam...Ou passavam e ele acabava perdendo a nocão.
Verificava o calendário e as horas a cada pouco. Daí se lembrou de que havia
guardado uma grande quantidade de remédios para dormir. Era uma forma de
enganar o tempo. Passou semanas meio dopado. Quando estava acordado, fazia as
pequenas tarefas que tinha de fazer – ele era muito disciplinado – e pensava
nas pessoas que conhecia. Será que a California tinha sido atingida? O Bob
estaria vivo? E as outras pessoas de sua
cidade? Estariam todos mortos? Machucados, deformados? Quantos teriam
sobrevivido?
O
passar do tempo era um dos maiores problemas. Começou a assistir filmes, havia
trazido muitos. Lia livros. Pensava, pensava e tomava remédios para dormir. Nem
ele sabe como conseguiu, mas ficou lá quase cinco meses. Resolveu sair, ver a
situação. Havia a possibilidade de ele voltar se as coisas não estivessem bem.
Calculou
a hora de sair. De manhã, às oito, seria ótimo. Se a situação não estivesse
muito má poderia ver com clareza e fazer uma avaliação.
De
manhã teve uma certa dificuldade com a porta reforçada de seu abrigo. Estava
muito pesada. Certamente havia debris acumulados em cima dela. Assim que
conseguiu abri-la, sentiu em seus olhos uma claridade intensa. Ficou em pé lá
fora, esfregou os olhos e viu que o dia estava lindo, espetacular. Não via
nenhum sinal de destruição. Caminhou em direção a sua casa. Devagar. Enquanto
andava pensou que talvez tivesse feito uma estupidez. Talvez nada tivesse
acontecido. Mas ele vira a explosão, vira o fogo...E se fosse uma outra coisa,
mais bem simples? Será que tinha se precipitado? Quando avistou a casa, notou
que havia gente dentro e dois carros estacionados lá fora. Achou melhor esperar
um pouco. Iriam querer saber quem ele era, haveria perguntas, ele ainda não
estava preparado para enfrentar a realidade. Fez uma curva para a direita e se
dirigiu para a estrada. Precisava de tempo para pensar.
Não
havia minguém por ali para quem ele pudesse perguntar sobre a explosão. Andaria
um pouco pela estrada, havia um posto mais à frente, com jeito se informaria. Foi
andando lentamente.
Se
ele tivesse encontrado alguém, esse alguém teria lhe explicado que a explosão
fora de um avião comercial que havia caído a dois quilômetros de sua casa.
Cento e dez pessoas morreram mas não foi o fim do mundo, nem de seu país e nem
mesmo da cidade. Tudo tinha voltado ao normal. Ele, então teria de sofrer o
vexame pelo que fez. Claro que ele poderia esconder isso de todos, inventar uma
história para justificar sua ausência..
Estava
pensando como iria encarar as pessoas quando começou a andar pelo asfalto.
Talvez fosse melhor enfrentar os fatos, falar a verdade. Poderia dar
entrevistas, virar a coisa toda a seu favor. Podia não dar certo e ele se
tornaria a maior piada do ano. Mais à frente havia uma curva na estrada e mais
duas milhas para se chegar ao posto de gasolina. Assim que virou à direita, viu as placas na
distância. Aquela estrada não tinha muito movimento e ele caminhava dentro da
pista. Percebeu que estava com fome. Bom, poderia comer algo lá. Começou a
pensar no que poderia pedir – estava cansado de só comer alimentos enlatados –
quando ouviu atrás de si um barulho de carro brecando no asfalto. Era o Sr.
Morris que se dirigia para o trabalho. Ele nunca iria imaginar que alguém
estivesse andando no meio da pista logo após a curva. Escutou aquele barulho
horrível do corpo de Tom chocando-se contra o capô de seu carro e percebeu que
ele voou por cima e foi cair lá atrás. Tom morreu instantaneamente.
Ele
foi enterrado no cemitério local. Se pudesse, talvez tivesse escolhido ser
enterrado em seu abrigo: ou deveria dizer jazigo? Seu irmão Bob, que estava no funeral,
jamais poderia imaginar que houvesse tal lugar. Conversava de vez em quando com
o irmão mas ele jamais havia lhe revelado qualquer segredo, muito menos esse.
Enquanto o corpo era içado para o fundo da cova, Bob tentava imaginar por onde
Tom andara durante aqueles cinco meses. Era a mesma pergunta que todos se
faziam ali no enterro. Sumiu todo aquele tempo e de repente aparece atropelado
numa estrada a pouca distância de casa. Havia muito mistério em tudo. As respostas
ninguém tinha, a não ser o próprio Tom. E agora, definitivamente, ele as estava
levando consigo para o túmulo.
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