O
Experimento de Lenz autor: Flávio Cruz
Eu sei que não estou morto mas sei também
que muito vivo não estou.
Primeiro eu pensei que o Lenz havia me congelado e me abandonado naquele compartimento, junto com os outros membros da tripulação da espaçonave. Claro que isso não podia ser verdade, pois se assim fosse, eu não estaria pensando como estou agora. Consigo pensar mas não consigo sentir nada. É como se eu não tivesse corpo. Meus colegas de missão estavam comentando há alguns meses atrás que os supercientistas estavam tentando captar ondas cerebrais de corpos em hibernação. Na época fui firme em contradizê-los pois aquilo era um absurdo. O Frank, lembro-me bem, fez aquela cara de sabido e disse, meio rindo, que em ciência, nesses novos tempos não existe mais “o absurdo”. De certa forma, acho que ele tem razão. Veja o Lenz, por exemplo, a gente nem mais consegue pensar nele como uma máquina, como um computador. Às vezes ele é mais humano que humanos que conheço. Além disso, parece que eles mudam de personalidade de acordo com as conveniências. Quando é necessário, eles impõem respeito. Os cientistas põem nomes técnicos neles – AIU378NG, esse é o nosso Lenz – mas eles parecem ser tão vivos, que é irresistível: acabamos dando nomes de gente a eles. Eles, além da super-inteligência, é claro, têm opiniões, têm sensibilidade e até – parece impossível – sentimentos. Sabe, a gente conversa muito aqui no espaço. Por mais que eles inventem responsabilidades para nós, sempre temos muito tempo livre. Além disso, sabemos que qualquer que seja a falha que tenhamos, eles, o Lenz no nosso caso, acabam sempre corrigindo. A gente acaba desenvolvendo um sentimento de inferioridade, de incompetência.
Primeiro eu pensei que o Lenz havia me congelado e me abandonado naquele compartimento, junto com os outros membros da tripulação da espaçonave. Claro que isso não podia ser verdade, pois se assim fosse, eu não estaria pensando como estou agora. Consigo pensar mas não consigo sentir nada. É como se eu não tivesse corpo. Meus colegas de missão estavam comentando há alguns meses atrás que os supercientistas estavam tentando captar ondas cerebrais de corpos em hibernação. Na época fui firme em contradizê-los pois aquilo era um absurdo. O Frank, lembro-me bem, fez aquela cara de sabido e disse, meio rindo, que em ciência, nesses novos tempos não existe mais “o absurdo”. De certa forma, acho que ele tem razão. Veja o Lenz, por exemplo, a gente nem mais consegue pensar nele como uma máquina, como um computador. Às vezes ele é mais humano que humanos que conheço. Além disso, parece que eles mudam de personalidade de acordo com as conveniências. Quando é necessário, eles impõem respeito. Os cientistas põem nomes técnicos neles – AIU378NG, esse é o nosso Lenz – mas eles parecem ser tão vivos, que é irresistível: acabamos dando nomes de gente a eles. Eles, além da super-inteligência, é claro, têm opiniões, têm sensibilidade e até – parece impossível – sentimentos. Sabe, a gente conversa muito aqui no espaço. Por mais que eles inventem responsabilidades para nós, sempre temos muito tempo livre. Além disso, sabemos que qualquer que seja a falha que tenhamos, eles, o Lenz no nosso caso, acabam sempre corrigindo. A gente acaba desenvolvendo um sentimento de inferioridade, de incompetência.
Estou
ficando cansado, acho que vou apagar. Não sinto o corpo mas acho que minha
mente está cansada, muito cansada. Não gosto de apagar pois sempre tenho medo
de que não vou mais voltar. Outro dia, quando estávamos discutindo sobre a
superinteligência dos computadores, o David veio com aquela história...depois
continuo, acho que não dá mais...
Quanto
tempo será que apaguei? Acho que não tem importância. Nada mais tem
importância. Agora me lembro, estava pensando no David, no que ele falava. Seu
argumento era que a inteligência artificial nunca iria superar a inteligência
humana. A criação não pode superar o criador. Daí o Leo explicou que ele estava
enganado. Explicou que a inteligência artificial era a soma das maiores e
melhores inteligências humanas e que, a partir do momento em que criara vida
própria, tinha velocidade e capacidade maiores que um simples mortal. Por vaidade e
outros motivos biológicos a inteligência humana não se soma a de outros
humanos. A artificial é uma só, a soma dos melhores intelectos no momento, e
que também é o resultado final e supremo de toda a história do “homo sapiens”.
Ainda vejo a cara cínica do Sanz comentando, que evoluímos, evoluímos, juntamos
tudo que sabíamos e “entregamos o ouro para o bandido”. De certa forma é o que
estou sentindo agora. Estou percebendo – e agora é tarde – toda a manobra
do Lenz. Primeiro ele mandou um alerta de que nossa nave iria passar por uma
região muito perigosa da galáxia. Havia registro de inúmeras missões que terminaram
ali, segundo ele. A tripulação ficava louca, começava a cometer idiotices. Outros ficavam
doentes. Os computadores da geração anterior falhavam, era o fim da missão. Acreditei
nele. Parecia um grande e velho
companheiro muito preocupado com todos nós. Segundo o Lenz, ele era da nova
geração de máquinas pensantes, não havia perigo, mas a tripulação corria grande
risco. A melhor solução – a única – seria a hibernação de todos. Só o comandante,
no caso eu, ficaria acordado. Ele conseguiria dar proteção para um, os outros –
era imperativo – teriam de ser hibernados em 48 horas. Não haveria tempo de
consulta com a Terra. Todos aceitaram. Só
o Dr. Helmut, o médico da missão, que não
gostou nada da explicação do Lenz e estava começando a se rebelar. Eu fui muito
ingênuo em não perceber a manobra toda. Imaginem, logo em seguida o Dr. Helmut
ficou muito doente. O sistema não conseguiu identificar o problema. O Lenz
disse que havia 98% de chances de ser uma das consequências da passagem pela
zona de perigo sobre a qual ele alertara. Agora estava óbvio que ele causou a
doença do Dr. Helmut e tudo mais eram
mentiras. Até há algumas horas atrás eu não tinha entendido porque o Lenz me
mantivera vivo. Agora já sei. Pensei que ficando a salvo eu conseguiria, junto
com ele, trazer toda minha tripulação de volta. O Lenz me convenceu a entrar
naquela cápsula regenerativa da espaçonave que nunca ninguém tinha usado. Era
para me proteger melhor contra as estranhas radiações que começavam a chegar.Que
nada. Ele me encurralou lá e me fez dormir. Depois não sei, mas acho que os
robôs me levaram para algum tipo de cirurgia. Acordei mas não sentia meu corpo.
Talvez me insensibilizaram. Talvez ele tenha tomado uma parte de meu cérebro e
estou andando por aí, sem perceber, fazendo coisas para ele. Tudo é possível.
Ele pode estar lendo meus pensamentos. Será? Acho que é impossível. Deve ser
alguma outra artimanha. Talvez tenha desviado a nave, talvez tenha mudado o
objetivo da missão. Meu pensamento...devo ter cuidado, ele pode estar lendo
tudo. Agora me lembro de algo que o Dr. Helmut me contou. Bom homem, o Dr.
Helmut. Ele me disse que estavam testanto numa super-máquina esta história de
ler pensamentos. Agora sei porque estou com esta preocupação. Agora me lembro.
Eles já tem todas as possíveis ondas cerebrais para analisar. Bom homem o Dr.
Helmut, inteligente. Ele disse que daí eles juntaram milhões de possibilidades
de microcontrações que o rosto e o corpo fazem quando estamos falando ou
fazendo algo e fizeram uma correlação. Ficaram décadas coletando esses dados. E
continuam...Lembro muito bem da cara que o Dr. Helmut fez quando disse isso.
Bom homem...Daí, esses “monstros da Inteligência Artificial” – a cara do Dr.
Helmut: ele realmente sentia o que estava falando – esses montros, repetia, juntavam
tudo. Juntavam o incrível banco de dados – acho que eram bilhões, na verdade
- com todas as ondas cerebrais. Acabavam
fazendo as combinações, eliminavam o que não interessava, e até – imaginem –
punham na equação as características pessoais do indivíduo. Disso para
transformar a informação em linguagem era fácil. Tinham requintes de colocar as idiossincrasias linguísticas do
indivíduo. Na época achei que era exagero do Dr. Helmut, que ele estava
querendo divertir a gente, que fazia aquilo para passar o tempo. Mas agora já
não sei. Estive pensando. Por que Lenz me deixou vivo? Na verdade ele não
precisa de mim. Ou precisa? Por quê? Para quê? Estou cansado. Acho que o Lenz está lendo
minha mente. É isso mesmo. Agora tenho certeza. É para isso que ele precisa de
mim. Quer sugar meus pensamentos. Nunca vou voltar. Como pude ser tão idiota?
Estou falando com você agora, Lenz! Eu sei que você
está me ouvindo! Você venceu desta vez! Mas há outros Helmut lá na Terra. E
eles, nós, vamos reverter tudo. Sabe de uma coisa, Lenz? Eu acho que você não
conseguiu tudo que queria. Vou parar de pensar. Estou parando, você não vai
mais...Vou pensar só em morte, viu? Estou quase morto. Olha aí...Estou
morrendo...
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Súmula
de evento excepcional:
Transcrição
linguística das últimas linhas de pensamento do capitão da nave “New Spirit”
lançada da plataforma de Marte em 27 de março de 2179.
Transcrição
anteriores: sem possibilidade de reconhecimento (explicação temporária:
captadas quando o corpo estava sob coma ultra profundo).
Experimento
não autorizado feito pela Unidade de Inteligência Artificial AIU378NG.
Último
contato feito pela unidade: 18 de abril de 2194.
Recuperação
da nave “New Spirit”: 19 de setembro de 2197, por contato visual da patrulha
espacial “ SG 23356” na órbita de Júpiter.
Outras
informações: Óbito da tripulação: 17 de abril de 2194.
Ação
tomada: Suspensão por tempo indeterminado dos experimentos de transcrição
mental em toda área abrangida pelas colônias da Terra.
Comunicação
desse evento: restrito apenas aos “cientistas magnos”
Explicação
para o resto da comunidade científica e comunidade em geral: captura da nave
por civilização extraterrestre ainda não codificada.
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