Sunday, April 6, 2014

Paraíba do Sul



Eu tinha dez anos de idade e não sabia ao certo o que estava acontecendo. Só sabia que viajava, veloz, no banco de um trem da Central do Brasil rumo a Lavrinhas, Estado de São Paulo, quase divisa com o Rio e divisa certa com Minas Gerais. O destino era o Colégio São Manuel, um seminário salesiano. Fiquei lá apenas um ano, era muito longe. Meus pais me transferiram para São Roque, muito mais perto da capital.
Recentemente, tentei achar fotos ou filmes, tentei me lembrar dessa época distante, por volta do ano 1960.
Finalmente encontrei um vídeo interessante, que mostrava as dependências da instituição. Ele mostrava o local aos poucos e eu tentava ajustar a memória. Parecia vagamente familiar, mas nenhuma lembrança perfeita acontecia. Os vitrais da capela, bem coloridos, chegaram a atiçar meu cérebro. Só me lembrei exatamente de um lugar quando chegamos ao dormitório. Ainda não me recordava de nada específico. Até que, finalmente, vi aqueles velhos armários de madeira ao lado de cada cama. São truques da memória que a gente não entende. Pude ver – numa volta ao passado - as poucas peças de roupa, as sandálias e meu par de sapatos, tudo arrumadinho, como tinha de ser, em cada divisão.
Do lado de fora, o vídeo não me mostrava nada conhecido. Entretanto, eu me lembrei das grandes magueiras esparramando mangas pelo chão. Mas a imagem mais forte, a que pareço estar vendo ainda hoje, é a do Rio Paraíba do Sul que passava no fundo da propriedade. Suas águas caudalosas, fortes, correndo pesadas pelo meio da cidade, bem ao lado do seminário. A maior parte do tempo eram escuras ou barrentas, nada se podia ver.
Eu olhava para aquelas águas em tumulto, uma torrente sem controle, levando tudo. Sentia um medo vago, indistinto, do futuro. O rio estava me ensinando que não tínhamos controle de nada. Podíamos agitar os braços, gritar, chorar. No fim, ele nos levava para onde queria. Éramos crianças, não tínhamos controle de nossas vidas. Mais tarde aprenderia que, uma vez adultos, teríamos a sensação de estarmos no comando, mas seria apenas uma ilusão.

Ele nunca me saiu da cabeça. Forte, insensível, bruto, tempestuoso. Controlando nosso destino, direcionando nossas vidas, nossas almas, tudo. Paraíba, Paraíba do Sul, torrente incontrolável, turbulenta. Para mim, símbolo claro, insano e doido de nosso fado, de nossa sorte...

No comments:

Post a Comment