Eu
tinha dez anos de idade e não sabia ao certo o que estava acontecendo. Só sabia
que viajava, veloz, no banco de um trem da Central do Brasil rumo a Lavrinhas,
Estado de São Paulo, quase divisa com o Rio e divisa certa com Minas Gerais. O
destino era o Colégio São Manuel, um seminário salesiano. Fiquei lá apenas um
ano, era muito longe. Meus pais me transferiram para São Roque, muito mais
perto da capital.
Recentemente,
tentei achar fotos ou filmes, tentei me lembrar dessa época distante, por volta
do ano 1960.
Finalmente
encontrei um vídeo interessante, que mostrava as dependências da instituição. Ele
mostrava o local aos poucos e eu tentava ajustar a memória. Parecia vagamente familiar,
mas nenhuma lembrança perfeita acontecia. Os vitrais da capela, bem coloridos,
chegaram a atiçar meu cérebro. Só me lembrei exatamente de um lugar quando
chegamos ao dormitório. Ainda não me recordava de nada específico. Até que,
finalmente, vi aqueles velhos armários de madeira ao lado de cada cama. São
truques da memória que a gente não entende. Pude ver – numa volta ao passado -
as poucas peças de roupa, as sandálias e meu par de sapatos, tudo arrumadinho,
como tinha de ser, em cada divisão.
Do
lado de fora, o vídeo não me mostrava nada conhecido. Entretanto, eu me lembrei
das grandes magueiras esparramando mangas pelo chão. Mas a imagem mais forte, a
que pareço estar vendo ainda hoje, é a do Rio Paraíba do Sul que passava no
fundo da propriedade. Suas águas caudalosas, fortes, correndo pesadas pelo meio
da cidade, bem ao lado do seminário. A maior parte do tempo eram escuras ou
barrentas, nada se podia ver.
Eu
olhava para aquelas águas em tumulto, uma torrente sem controle, levando tudo.
Sentia um medo vago, indistinto, do futuro. O rio estava me ensinando que não
tínhamos controle de nada. Podíamos agitar os braços, gritar, chorar. No fim, ele
nos levava para onde queria. Éramos crianças, não tínhamos controle de nossas
vidas. Mais tarde aprenderia que, uma vez adultos, teríamos a sensação de estarmos
no comando, mas seria apenas uma ilusão.
Ele
nunca me saiu da cabeça. Forte, insensível, bruto, tempestuoso. Controlando
nosso destino, direcionando nossas vidas, nossas almas, tudo. Paraíba, Paraíba
do Sul, torrente incontrolável, turbulenta. Para mim, símbolo claro, insano e
doido de nosso fado, de nossa sorte...
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