Saturday, September 20, 2014

O Músico de Paris



O Músico de Paris
autor: Flávio Cruz

Tive de fazer uma viagem para New York e lá estou eu no metrô, melhor condução que se pode ter nessa cidade. Do fundo do vagão ouço o som de um instrumento musical, acho que é uma  gaita. Um andarilho terminou o dia e está voltando para casa – tempos modernos –tentando ganhar uns últimos trocados tocando seu instrumento. Não vejo mas deve haver um chapéu no chão esperando por umas moedas...Minha imaginação, como em playback, volta algumas décadas para Paris. Muito jovem, havia conseguido uma passagem de cortesia para a Europa. Quase sem dinheiro, instalo-me num hotel vagabundo na periferia e me aventuro pela cidade usando o metrô...por isso me lembrei da cena. Tinha trocado alguns dólares por francos franceses e comprei algo para comer. Os trocados, algumas moedas, estavam em meu bolso. Penso comigo, preciso aprender o valor desse dinheiro: moeda do Brasil (não me lembro mais qual, foram tantas...), dólar, franco francês, valor de compra, valor de venda, tudo muito confuso. Apesar de ser uma maravilha a viagem, penso comigo, será que vale a pena aventurar-se por aí com tão poucos recursos? Sentado, penso no dia seguinte, o que faria... talvez a Torre Eiffel, algo que não se pode deixar de ver. Mergulhado em meus pensamentos, de repente ouço o som de um violino, uma música conhecida, não me lembro qual... Levantei os olhos e vi perto de mim aquele senhor, já com bastante idade, em pé, tocando um violino. Roupas velhas, colarinho branco, um pouco sujo. Concentrado, toca seu instrumento. No chão, aos seu pés, a caixa do violino, aberta, esperando as gorjetas. Duro, como estava, confesso, senti inveja das moedas que havia ali. Tenho certeza de que era mais do que eu tinha para passar os três dias que iria ficar na capital francesa. Pensei comigo que, pelo menos, eu tinha a vida inteira pela frente e poderia me sair muito bem, mas ele, coitado, ali estava, velhinho, tendo de tocar em metrôs para poder sobreviver. De repente a música para, e o “monsieur” levanta a caixa do violino e estende-a para mim, esperando obviamente, a “contribuição”. Pego de surpresa, procuro nos meus bolsos os trocados que tinha. Lá coloco as minhas poucas moedas. O músico olha para elas, misturadas com as que já tinha, olha para mim, e cuidadosamente as recolhe. Com cara de ofendido, coloca as mesmas de volta no bolso de meu casaco, de onde elas haviam saído. Não sei como ele sabia quantas e quais eram as moedas que eu colocara, mas tinha certeza de que sabia, tal a determinação com que fez a operação. Não disse nada mas sei o que pensou: “Sou mendigo mas não preciso dessa miséria de um pão-duro como você!” Tentei até pensar como se diria isto em Francês mas estava me sentindo muito envergonhado para raciocinar. Pensei então em explicar para ele que ainda não conhecia o dinheiro francês, que tinha acabado de chegar, etc... Mas quando fui começar a falar, ele já tinha ido.
Nunca mais me esqueci do mendigo de Paris. Ele podia ser mendigo, mas posso garantir que tinha muita classe...  

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