Tuesday, August 14, 2012

A Dona Maria e a Eternidade


Autor: Flávio Cruz

A Dona Maria e a Eternidade

A Dona Maria, pouco antes de morrer, comoveu a todos. Não havia uma só pessoa que não gostasse dela. Ela era doce e suave. Não sofreu quase nada. Teve uma doença breve, o coração falhou e e ela se foi.
Na verdade, embora todos amassem a Maria, ninguém a conhecia por dentro. Era uma verdadeira selvagem. Quando moça, tinha aquelas ideias super liberais. Não tinha tabus nem preconceitos. Era, com certeza, uma das cabeças mais liberadas da sua época, pelo menos a sua volta. Estranhamente suas amigas e conhecidos nada sabiam a respeito. Ela não queria chocar ou envergonhar ninguém. Sabia como as pessoas se sentiam. Para que abalar aquelas cabecinhas todas, pensava ela, se do jeito que estava, estava todo mundo feliz? O tempo foi passando, ela se casou e nem seu marido nunca ficou sabendo de nada. Coitado do Armando, ela raciocinava, teria um enfarte se conhecesse metade de suas opiniões. Ele era feliz com ela desse jeito, para que mudar? E mais tempo se passou e vieram os netos. Nem quando eles ficaram jovens chegaram a ser tão “avançados” como ela. Mas ela nunca passava da quota certa para não escandalizar. Quem a conhecesse por dentro, entretanto, saberia que ela estava à frente de todos. E lá estava ela com aquela carinha festeira, sempre alegre, sempre disposta a tudo.
Assim foi que quando chegou a hora de partir, todos estavam torcendo por ela.Uns oravam, outros rezavam, cada um de acordo com sua fé. Certeza de que ela iria para o céu, todos tinham, era unanimidade. O que ninguém sabia era o que ela pensava a respeito da eternidade, do paraíso. Não era que ela não acreditasse em Deus ou coisa assim. Ela não acreditava no Deus das pessoas em geral. Para ela, Ele era mais sofisticado, mais grandioso, mais tudo. O mais próximo que alguém tinha chegado perto da sua concepção divina eram aqueles cientistas que ela vira um dia na televisão. Eles tinham descoberto aquelas partículas ultra, ultra pequenas e que vibravam o tempo todo, doidamente, dentro dos átomos. Aquilo sim podia ser uma coisa de Deus. Não gostava daquele Deus descrito por alguns que ficava agindo como se fosse a gente, fazendo coisas banais, sentindo sentimentos de homens e mulheres. Como sempre, não falava nada para ninguém, não queria ser arrogante, não queria humilhar os outros. Outra ideia muito diferente da Dona Maria era que ela não entendia por que as pessoas deduziam automaticamente que Deus existindo, nós seríamos imortais também e viveríamos para sempre.

E se Deus tivesse nos criado para viver só aqui na Terra?  Sabe, como uma experiência? Depois seria o nada.  Por que não? Não seria tão mau assim ficar sem saber, durante todo o infinito dos tempos, das desumanidades dos humanos. Ela achava o ser humano arrogante por pensar que teria direito à eternidade. Pode até ser mas...certeza ninguém tinha de nada. Você pode ter fé, aí é outra coisa, pensava consigo mesmo. Mas saber mesmo, ninguém sabia.
Bom, agora ela está lá do outro lado...ou não está? Como ela dizia, ninguém sabe. Uma coisa é certa, porém: aqui, neste mundo, a Dona Maria, ironicamente, de certa maneira virou eterna, ela que não acreditava na eternidade.  Ela ficou para sempre no coração de todos...

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