Wednesday, November 28, 2012

A Dona Rosa, o “seu” Benedito e a garrafa de cerveja


A Dona Rosa, o “seu” Benedito e a garrafa de cerveja

A Dona Rosa e o “seu” Benedito eram pessoas “de cor”. Na época eu não entendia direito o que era isso. Achava que talvez fosse um elogio, qualquer coisa assim. Era muito pequeno, ainda não sabia das maldades humanas, dos eufemismos. O que eu sabia era que a casa da Dona Rosa era especial. Sempre que tinha uma chance eu corria para lá. Acho que  eram os doces que ela fazia: cocada, doce de abóbora e muitos outros. A casa era muito pequena: dois cômodos. Um era a cozinha, outro era o quarto. A funções da sala eram exercidas ora no quarto, ora na cozinha. O chão era de terra. Mas era uma coisa incrível. Era um chão batido, muito batido, lisinho, lisinho...E a Dona Rosa encerava o chão de terra  com um capricho tal que, se você não prestasse muita atenção, iria achar que era cerâmica ou um daqueles pisos feitos de cimento colorido. Era demais. Essa é  a primeira coisa de que me lembro. A outra foi uma coisa que o “seu” Benedito fez. De domingo ele estava sempre por ali. Ficava fora de casa, sentado, para dar espaço para a Dona Rosa preparar o almoço. Se por um lado ela era magrinha e usava óculos, o “seu” Benedito tinha uma barriga um pouco acima da média. Talvez fosse a cerveja. Ele era uma simpatia e tinha um bigode que chamava  a atenção. Vez ou outra ele me pedia para ir até o bar comprar uma Antárctica para ele. Dava o dinheiro certinho, coitado, porque tenho certeza de que não tinha muito. Acho que esse era o único capricho que ele tinha. Naquele dia fui correndo até o bar. O dono remexeu nos blocos de gelo – acho que naquela época não havia geladeira, não – e trouxe a danadinha tinindo de gelada, para a tona. 

Paguei e voltei correndo. No caminho levei um escorregão, caí, e quebrei a cerveja. Fiquei com o gargalo na mão, assustado. Não por causa do tombo mas porque o “seu” Benedito iria ficar privado da “preciosidade” do domingo. Fiquei pensando na tristeza que ia ser para ele, que gostava tanto da geladinha. Fui voltando, preocupado, pensando como iria explicar a tragédia para ele. Ele era sempre bem humorado mas você sabe, a cerveja é uma coisa sagrada. Demorei quanto pude e finalmente cheguei lá segurando só aquele gargalo fatídico. Talvez eu achasse que precisava de uma prova da tragédia. Tentei falar alguma coisa quando vi o olhar cerrado do “seu” Benedito. Estava pronto para a bronca. Fiquei aliviado quando percebi que a única coisa que o preocupava era se eu tinha me machucado. Examinou meu braço, minhas mãos. Gaguejei alguma coisa mas ele disse que o importante era que, graças a Deus, eu estava bem. Apesar do que aconteceu eu me senti muito bem naquele dia. O “seu” Benedito era um bom homem. Um “gentleman”. Eu sabia que ele não tinha dinheiro para outra bebida naquele dia e talvez nem na semana seguinte. Ele passou a mão pela minha cabeça e me perguntou de novo se eu não estava machucado.
Nunca mais me esqueci da beleza daquele casal e da cerveja do Benedito. Para mim eles tinham uma cor muito bonita. Acho que era  por isso que diziam que eles eram “de cor".

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