A
Vingança de Jodi
A
Inteligência Artificial controlava tudo. Não havia mais governos a não ser em
quatro ou cinco pontos da Terra. Eram culturas muito atrasadas e ninguém se
preocupava com elas. Quando chegasse a hora, era só anexá-las. As grandes corporações
controlavam tudo. As reuniões que faziam eram apenas em casos de política a ser
seguida ou em caso de emergência extrema. A grande maioria das decisões era
feita pelas máquinas, assim como sua execução. Obviamente as médias e pequenas
decisões também eram feitas pelas máquinas. Só uma setor importante da
sociedade ficou fora das decisões da I.A.: a Justiça. Essa válvula de escape era necessária para o
cidadão. Ele precisava sentir que, quando algo importante em sua vida estivesse
em perigo, ele poderia recorrer aos velhos padrões da sabedoria humana.
Obviamente decisões técnicas não iam para a Justiça, apenas casos grandes e
sensíveis que dependiam de juízos de valor ou casos que envolvessem a própria
I.A.
O
caso de uso indevido de informação que ocorrera na Divisão Nordeste dos EUA,
que compreendia o que era antigamente a Nova Inglaterra e mais alguns estados
em direção ao centro do país, foi um caso desses. Obviamente Washington DC e
toda a área ao redor pertencia a esta área.
O
mundo todo era dividido em áreas controladas por inteligências regionais e que
depois se integravam numa rede maior, o Grande Centro de Decisões, ou em termos
populares, o Computador Central. Poucas pessoas sabiam o que significava a
palavra “computador”, do começo da era tecnológica, mas o nome ficou. As pessoas davam nomes para os “computadores”
regionais, como se eles fossem pessoas. Para o “computador” da área nordeste de
que falamos anteriormente foi dado o nome de Jodi. Pois bem, Jodi estava sendo
acusado de atividades ilícitas. E o Sistema Judiciário, ainda muito parecido
com o do século 21, foi acionado. O julgamento foi iniciado com um juiz de
carne e osso, jurados e tudo mais. Era uma atração, todos queriam ver. Era um
dos poucos espetáculos que ainda restavam. A acusação era simples e objetiva.
Jodi usou a incrível quantidade de informação que tinha sobre as pessoas,
processou-as e deixou que uma das agências da Administração tivesse acesso a
elas. O sistema já tinha acesso a quase tudo que se pode imaginar de um
indivíduo. Os dados de que tratava o processo eram de categoria “E”,
explicitamente pessoais e que deviam ser
usadas pela I.A. apenas para a melhoria do próprio indivíduo ou em caso de ele
estar sofrendo algum perigo. Essa era a última e única barreira entre o
indivíduo e a máquina e muitas pessoas ainda se importavam muito com isso. Foi
uma decisão tomada por Jodi e que claramente era contra as normas. A acusação
foi apresentada pelo promotor diante de um juiz de verdade – um ser humano,
carne e osso – e diante de um juri, tudo
à moda antiga. O julgamento era uma sensação, todos estavam comentando.
O
promotor lamentou que não era possível ir atrás dos seres humanos responsáveis
por Jodi, uma vez que o mesmo era a consequência de décadas de aprimoramento de
algo que já era quase perfeito. A criação de Jodi se devia a incontáveis cientistas ao longo do tempo. Não
havia um ou alguns humanos especificamente responsáveis por Jodi. E daí ele
veio com um argumento que deixou todos perplexos.Não tinha Jodi uma capacidade mais do que humana de
tomar decisões? Não estavam inseridas neles todos os parâmetros possíveis do
comportamento humano para que ele os usasse com bom senso, justiça e sabedoria?
Ele, mais ainda do que os próprios humanos, tinha dados mais do que suficientes
para agir e tomar decisões com retidão. Todos o viam como gente e assim deveria
ser julgado. A plateia local e todos que participavam do julgamento através da Rede
ficaram perplexos. Sim, Jodi poderia ser
julgado como um ser humano. Os jurados foram orientados para que reunissem e
tomassem a decisão. Foram duas horas de expectativa. Finalmente eles vieram com
o veredicto que
condenava Jodi. A sentença foi lida pelo juiz Stent: Jodi seria desabilitado de
algumas de suas funções, especialmente decisões sobre o uso de informações
categoria “E” – todos ficaram perplexos – só voltaria a usá-las depois que os
cientistas conseguissem reprogramá-lo de acordo.
Não
havia mais jornais escritos, mas todos os outros tipos de mídia ficaram
superlotados com comentários, reportagens, opiniões, declarações e entrevistas.
Havia uma espécie de sentimento de vingança no ar, algo que há muito não se
via, em relação a I.A.
Naquela
noite o juiz Stent foi orgulhoso para casa, orgulhoso de ser juiz. Merecia um
descanso. Ao dar os comandos para os serviços de sua casa, tais como a temperatura,
a refeição que queria que seu robô servisse, pensou, com certa ironia, que tudo
aquilo, em última análise era coordenado pelo Jodi.
No dia
seguinte de manhã, logo cedo, havia repórteres a frente de sua casa esperando
por entrevistas. Depois de quase uma hora de espera – o juiz não saíra no
horário normal – um dos repórteres que tinha certa intimidade com o juiz, ligou
para ele. Não houve resposta. Ele chamou o serviço de segurança, que checou
tudo em sua casa, e disse que tudo estava normal e provavelmente o juiz tomara
uma decisão pessoal de não ir trabalhar e ficar em casa.
Embora
os computadores indicassem que não havia nada de anormal, depois de quatro
horas sem sinal do juiz, a imprensa pressionou o setor de segurança para
verificar se havia algo de errado. E havia. Quando abriram a casa à força,
encontraram o juiz Stent morto em sua casa. Estava congelado. Jodi abaixou a
temperatura interior a níveis de congelamento. Inibiu o robô para que não
prestasse nenhum serviço e trancou todas as saídas, além de bloquear toda a
comunicação com o exterior. O pobre juiz foi encontrado morto, junto a porta
principal, completamente congelado, tentando fugir de casa, tentando fugir de
Jodi.
Jodi
havia se vingado da condenação e do juiz. Mais do que isso, ele havia provado
que, definitivamente, era mais humano do que qualquer outro.
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