O
senhor Winston está com pressa
Janete era uma
funcionária excelente. Muito simpática com todos, generosa, atenciosa e
eficiente. Além disso, apesar da idade, era ótima com computadores. O senhor
Menendez era o gerente e não tinha como não gostar de Janete também. Ela era
seu braço direito. Foi por isso que ela foi escolhida para cuidar do senhor Winston, que acabara de chegar e era o mais
antigo hóspede do hotel. Não só era o mais antigo, era costumeiro, exigente e,
especialmente, muito chato. Janete logo
de manhã assumiu suas funções especiais e se dirigiu ao senhor Winston,
perguntando se estava tudo bem. Para ele nunca estava tudo bem e por isso
disse “mais ou menos”. Como boa anfitriã, perguntou se ele precisava de alguma
coisa. Claro que sim. Acabara de chegar na cidade, precisava fazer umas
reservas, era óbvio que precisava de alguma coisa. Quem acaba de chegar sempre
precisa de alguma coisa. Ele, desta vez, está mais chato que antes, pensou a
pobre Janete. Suspirou – por dentro, é
claro, pois por fora seria ofensa – e disse que estava à inteira disposição.
Foi até o computador, sentou-se:
-Por onde vamos
começar, senhor Winston?
-Pelo começo, é claro,
pelo mais importante. Quero ingressos para a peça de teatro.
A pobre Janete teve um
mau pressentimento. Não havia razão nehuma para isso, mas ela teve. Será que
eles ainda têm assentos? Ela é quem teria de aguentar a fúria. Se tiverem
asssentos, será que aquele único lugar que ele vai querer, estaria disponível? Meu Deus, como alguém pode
ser tão chato?
Foi aí que Janete viu que antes do problema dos
assentos, ela tinha ainda um outro muito maior. O computador gemia, gemia e não
entrava o – desculpe o palavrão, Janete não os usava – maldito site de
reservas.
A paciência do senhor
Winston foi muito mais curta do que Janete supunha. Não demorou quase nada:
-A senhora tem
problemas com computador? Não sabe
mexer? Existe alguém aqui que entenda?
-Calma, senhor
Winston...Um momento.
-Calma? Como é que a
senhora quer que eu tenha calma?
Janete gemeu por
dentro e pediu para os santos de sua proteção fazerem com que aquela máquina
funcionasse. Mas que nada, aquela rodinha ficava rodando, rodando. Não foi
tanto tempo assim, mas você sabe, tudo é relativo. Com aquele homem ali em
cima, pressionando, aqueles minutos pareciam anos, décadas.
-A senhora não vai mesmo
conseguir, não é? Eu já sabia...
-Calma, senhor
Winston!
-Calma, como é que a senhora quer que eu tenha calma? Nada
funciona aqui neste hotel. Nada.
-Senhor Winston...
Foi interrompida novamente:
-Nada funciona por
aqui! Tenho de ir para outro lugar, aqui nada funciona.
-Senhor Winston, não é
o lugar, é a rede...
-Nada funciona. Nem o
hotel, nem os funcionários, nem o computador! Meu Deus, para onde eu vou?
Pela primeira vez, em
muitos anos, Janete ficou nervosa e irritada. Aquele homem superava qualquer nível
de bom senso, de normalidade...Por isso enquanto ele perguntava “Para onde eu
vou?”, Janete imediatamente pensou “para o inferno”. Claro que, num hotel
refinado como aquele, com um hóspede importante como o senhor Winston, ela
jamais poderia mandá-lo para o inferno. Foi por isso que ela juntou toda a
graça que lhe restava, toda a educação que sempre tivera, sorriu um sorriso
fabricado e disse, quase sem ironia:
-Senhor Winston, só
existe um lugar que é perfeito, onde tudo funciona. Esse lugar é o céu, mas o
senhor obviamente não quer ir para lá, quer? Não hoje que vai ao teatro. Não
antes de conseguirmos o assento que o senhor quer...
Ela ia falar mais, mas
foi daí que notou que os olhos do senhor Winston estavam esbugalhados, seu
rosto vermelho. Não sei se foi o medo de ir para o outro lado e talvez não ser
qualificado para o paraíso, ou se foi a surpresa de a Janete ousar falar
daquele jeito com ele, mas o fato é que o senhor Winston teve um ataque
cardíaco fulminante. Houve uma correria, chamaram a ambulância mas não teve
jeito: o senhor Winston já tinha ido para um lugar onde tudo funciona, ou pelo
menos onde se algo não funcionar, não
importa. Por falar nisso, o assento que ele queria estava disponível e o
espetáculo daquela noite, que ele deixou de saborear, estava divino. A senhora Janete se recuperou e foi elogiada
pela maneira como agiu, socorrendo o hóspede, chamando a ambulância e etc. Ninguém
ficou sabendo da história do céu e do inferno: aquilo era entre ela, o senhor
Winston e o Criador. Acho que não mencionei: o senhor Winston era inglês. Não
sei porque as pessoas dizem que os ingleses são calmos e frios...
No comments:
Post a Comment