O
jurado
Foi
tudo muito rápido. Depois de ter dominado o único funcionário da loja de
conveniências, o assaltante limpou a caixa registradora. O Davi, coitado,
tremia como uma vara verde, rosto para baixo, deitado de barriga no chão e mãos
atrás da cabeça. O fulano já estava indo embora, tinha até tirado a máscara,
estava um calor desgraçado. Bem naquela hora o desafortunado funcionário deu
uma olhada bem na cara do bandido. Ele, esperto, percebeu. Mirou a arma na testa
do Davi. Este estava suando frio e teve certeza de que aqueles eram seus
últimos momentos. Ainda ouviu uma frase antes de ouvir o tiro:
-Não
é nada pessoal. Você não devia ter me olhado.
Antes
de atirar, porém, podia já se ouvir o barulho das sirenes da polícia ao longe.
Distraído com isso, errou a pontaria. A bala foi se alojar na coxa de Davi.
Ele
passou algum tempo no hospital e depois ficou outro tanto fazendo fisioterapia.
Mesmo assim, até hoje ele ainda manca de leve. É quase imperceptível. De
qualquer maneira, Davi continuou a estudar, melhorou de emprego e agora está
muito bem. O deliquente não foi preso apesar da descrição que ele fez.
Os
anos foram se passando e Davi passou a ser um membro valioso para a comunidade.
Às vezes até participava do juri no fórum local. Gostava dessa história de
julgamento, leis, advogados. No próximo mês haveria um julgamento importante e
ele havia sido convocado. Estava excitado pois era um caso em que o promotor
público estava pedindo pena de morte. Os jornais locais achavam um erro, pois
não havia circunstâncias especiais para isso. Agora, prisão perpétua, era coisa
certa. O réu havia assassinado o dono da casa durante um assalto. Aparentemente
ficou assustado com o aparecimento inesperado daquele senhor enquanto recolhia
as coisas. A mulher estava subjugada, ele estava quase terminando o “serviço” e
de repente aparece aquele homem com algo na mão. O bandido se
assustou e atirou. Era apenas o marido segurando o celular e que viera ver o
porquê daquele barulho todo. Não foi premeditado ou a sangue frio, mas ele
estava assaltando e tinha uma arma na mão. Mas isso é discussão para entendidos
em lei, doutores, juízes.
Depois
de todos os depoimentos, acusação, defesa, chegou a hora da deliberação dos
jurados. O advogado de defesa – apontado pelo governo – tinha feito seu
trabalho razoavelmente bem, mas não havia demonstrado grande paixão na defesa.
Depois
de onze horas o grupo de jurados entregou o veredito. O juiz leu. Tinham optado
pela pena de morte. Houve muito comentário nos jornais. Apesar do crime, todo
mundo estava esperando prisão perpétua ou quase, mas não uma pena de morte.
Vazou um comentário de que um dos jurados foi muito veemente e ficou horas
convencendo os outros a optarem pela sentença capital. Por uma questão de
ética, não revelaram o nome. As pessoas mais íntimas sabiam que era o Davi.
Alguns
anos se passaram e então o condenado estava a dois meses de sua execução. Nunca
tinha recebido visitas, mas naquele dia, anunciaram que havia alguém que queria
vê-lo. Encheu-se de esperança. Quem sabe alguém dessas associações que tentam
reverter penas de morte. Talvez alguém preocupado com penas demasiadamente
cruéis.
O
assassino não reconheceu Davi, mas este se lembrava muito bem da cara dele. Do que ele disse quando
mirou em sua testa. Davi deu um sorriso vago, olhou bem para a cara do
condenado e disse:
-Não
foi nada pessoal.
Falou
isso e saiu. Só então o prisioneiro se lembrou da cara assustada do rapaz em
que ele havia atirado há muitos anos atrás naquela loja de conveniência. Ele e
o jurado eram a mesma pessoa.
Como
disse o Davi, nada pessoal...
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