Monday, November 25, 2013

O jurado

O jurado



Foi tudo muito rápido. Depois de ter dominado o único funcionário da loja de conveniências, o assaltante limpou a caixa registradora. O Davi, coitado, tremia como uma vara verde, rosto para baixo, deitado de barriga no chão e mãos atrás da cabeça. O fulano já estava indo embora, tinha até tirado a máscara, estava um calor desgraçado. Bem naquela hora o desafortunado funcionário deu uma olhada bem na cara do bandido. Ele, esperto, percebeu. Mirou a arma na testa do Davi. Este estava suando frio e teve certeza de que aqueles eram seus últimos momentos. Ainda ouviu uma frase antes de ouvir o tiro:
-Não é nada pessoal. Você não devia ter me olhado.
Antes de atirar, porém, podia já se ouvir o barulho das sirenes da polícia ao longe. Distraído com isso, errou a pontaria. A bala foi se alojar na coxa de Davi.
Ele passou algum tempo no hospital e depois ficou outro tanto fazendo fisioterapia. Mesmo assim, até hoje ele ainda manca de leve. É quase imperceptível. De qualquer maneira, Davi continuou a estudar, melhorou de emprego e agora está muito bem. O deliquente não foi preso apesar da descrição que ele fez.
Os anos foram se passando e Davi passou a ser um membro valioso para a comunidade. Às vezes até participava do juri no fórum local. Gostava dessa história de julgamento, leis, advogados. No próximo mês haveria um julgamento importante e ele havia sido convocado. Estava excitado pois era um caso em que o promotor público estava pedindo pena de morte. Os jornais locais achavam um erro, pois não havia circunstâncias especiais para isso. Agora, prisão perpétua, era coisa certa. O réu havia assassinado o dono da casa durante um assalto. Aparentemente ficou assustado com o aparecimento inesperado daquele senhor enquanto  recolhia as coisas. A mulher estava subjugada, ele estava quase terminando o “serviço” e de repente aparece aquele homem  com algo na mão. O bandido se assustou e atirou. Era apenas o marido segurando o celular e que viera ver o porquê daquele barulho todo. Não foi premeditado ou a sangue frio, mas ele estava assaltando e tinha uma arma na mão. Mas isso é discussão para entendidos em lei, doutores, juízes.
Depois de todos os depoimentos, acusação, defesa, chegou a hora da deliberação dos jurados. O advogado de defesa – apontado pelo governo – tinha feito seu trabalho razoavelmente bem, mas não havia demonstrado grande paixão na defesa.
Depois de onze horas o grupo de jurados entregou o veredito. O juiz leu. Tinham optado pela pena de morte. Houve muito comentário nos jornais. Apesar do crime, todo mundo estava esperando prisão perpétua ou quase, mas não uma pena de morte. Vazou um comentário de que um dos jurados foi muito veemente e ficou horas convencendo os outros a optarem pela sentença capital. Por uma questão de ética, não revelaram o nome. As pessoas mais íntimas sabiam que era o Davi.
Alguns anos se passaram e então o condenado estava a dois meses de sua execução. Nunca tinha recebido visitas, mas naquele dia, anunciaram que havia alguém que queria vê-lo. Encheu-se de esperança. Quem sabe alguém dessas associações que tentam reverter penas de morte. Talvez alguém preocupado com penas demasiadamente cruéis.
O assassino não reconheceu Davi, mas este se lembrava muito  bem da cara dele. Do que ele disse quando mirou em sua testa. Davi deu um sorriso vago, olhou bem para a cara do condenado e disse:
-Não foi nada pessoal.
Falou isso e saiu. Só então o prisioneiro se lembrou da cara assustada do rapaz em que ele havia atirado há muitos anos atrás naquela loja de conveniência. Ele e o jurado eram a mesma pessoa.

Como disse o Davi, nada pessoal...

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