A vidente
Aquele
pobre homem estava na pior. Cheio de dívidas, cheio de problemas. O destino não
estava dando folga, nem um pouquinho.Tinha chegado ao ponto de não ter nada o
que comer, ele que já tinha tido uma vida até boa.
Achou,
por acaso, alguns reais no bolso de um paletó que tinha resolvido vender, já
que era de fina costura e podia render alguns trocados. Ele até se lembrou de
quando pôs aquele dinheiro lá. Nem valia a pena relembrar, eram bons tempos, não queria ficar se chateando
ainda mais com essas coisas. Enfiou a
grana no bolso e resolveu que ia fazer um almoço decente. Coisa simples, mas
boa, pois fazia um bom tempo que não via nome de restaurante nem em lista
telefônica.
Lá vai
ele pela rua, quase se esquecendo de como era preta a sua situação. Olha de um
lado,olha de outro, saboreando, pelo menos por alguns minutos, a paisagem. De
repente vê a placa de uma vidente. Lá dizia que você precisa “conhecer seu passado
para determinar seu futuro”. Passou pela sua cabeça, “quem sabe?”. Aquilo
poderia ser uma reviravolta em sua vida, agora que tanto precisava.
Claro
que não, além de ser uma besteira, estava com uma fome desgraçada. E continuou
andando. “Pessoas de sucesso vestem Lemans”, dizia um outdoor logo na frente. E
não era que aquele paletó, onde tinha acabado de achar o dinheiro era dessa
marca, que ele até pensou não mais existir? Parecia um sinal. Dinheiro no bolso
do paletó Lemans, vidente, pessoa de sucesso, Lemans...Voltou e decidiu falar
com a vidente. Entrou, sentou-se. Lá de dentro, através de uma parede de vidro
daquelas que só se vê de um lado, a mulher examinou seu novo, primeiro e único
cliente do dia. Ela tinha muita prática em saber o que as pessoas estavam
passando por dentro. Deu um tempo para fazer charme, depois foi até a recepção
e mandou-o entrar.
A
primeira coisa foi cobrar a consulta. Depois colocou o dinheiro numa caixinha
de madeira. Pediu, então, que o cliente colocasse as mãos sobre a pequena mesa
redonda. Tocou-as ligeiramente com suas
próprias mãos, como se precisasse desse contacto para ler seu passado e seu
destino. Fechou os olhos e começou a sessão. Emitiu uns ruídos estranhos, fez
algumas caretas, esboçou uns sorrisos, virou ligeiramente a cabeça para os
lados e começou a falar:
-Vejo,
em um passado distante...
E
começou a enumerar todas as vidas passadas do pobre homem. Um samurai que foi
punido por falta de lealdade, há muitos séculos atrás. Duas ou três vidas
obscuras que ela não conseguia enxergar. Uma prostituta na França no começo do
século dezenove, um escravo que foi executado porque tentou fugir três vezes,
um servo num país islâmico que roubou e teve suas mãos amputadas pelo patrão. Essas eram
algumas de suas vidas passadas. Ele queria, desesperadamente, que ela parasse.
Aquilo era uma indignidade, ele não acreditava. Mas sabe como é o espírito
humano, ele ficou impressionado. No final, ela explicou que tudo que havia
acontecido nos últimos séculos era uma espécie de preparação, que agora sua
vida estava para mudar, que o que estava passando tinha sido uma preparação,
ele iria ganhar uma grande fortuna, abrir um grande negócio, tornar-se o homem
mais rico da cidade. Ou por não acreditar nela, ou por estar muito deprimido,
levantou-se e saiu. Na rua, pôs a mão no bolso e viu que tinha sobrado muito
pouco dinheiro. Mal dava para um cachorro quente. Foi o que fez, comprou um.
Sentou-se num banco da praça e comeu a seco pois o dinheiro não tinha
sido suficiente para o refrigerante.
Enquanto
comia – até que estava gostoso – não conseguia ver as lindas flores do canteiro,
nem o sorriso das crianças que brincavam, nem o gingado da garota que passou. Na sua mente as
imagens se confundiam. Uma prostituta com as mãos cortadas e vestida de samurai por exigência de algum cliente pervertido, jogada
num canto escuro de uma rua de Paris. Certamente não acreditava naquele passado,
muito menos num futuro milionário. Imagens, mesmo mentais, falam mais do que
mil palavras, por isso elas ficavam dançando em sua mente.
Por
fim, terminou seu cachorro quente, pensou na vidente e falou um palavrão. Olhou
bem para suas mãos, ficou feliz por elas ainda estarem no lugar e por ele ser
apenas um desempregado do século vinte
e um. Depois foi, resignado,
curtir sua miséria na solidão do lar.
muito bom post, videntes desempenhar um papel importante na sociedade. lembranças
ReplyDeleteQuero saber sobre minha vida
ReplyDelete