Lá
na distância, uma joaninha
José
Antunes morava num rancho bem grande, ao
lado de outros tantos, numa grande planície. Do lado sul e leste havia pequenas
montanhas, mas dos outros lados a linha reta do horizonte se perdia na vista.
Embora estivesse ali, naquele fim de mundo, ele era de razoável cultura e a
inteligência. Estava até acima da média. Gostava de olhar a paisagem e conhecia
cada ponto dela. Sempre descobria alguma novidade, algo se mexendo, algo que
antes não estava lá.
Era
uma manhã fria, ele já havia tomado seu café da manhã – imprescindível – e
estava fazendo aquela espécie de “supervisão” que fazia em todo começo de dia.
Olhou primeiro para o lado da planície. Não havia nada de novo. Algumas nuvens
brancas, espalhadas, sem lógica, pelo firmamento. Tentou achar algumas formas,
algum desenho, mas não havia nada. No máximo poderia “ver” alguns chumaços de
algodão e isso, com muito boa vontade. Seus olhos então foram se dirigindo mais
para o lado das montanhas, para o lado
do oeste e do norte. O céu estava mais vazio, mais azul. Primeiro deitou os
olhos sobre as montanhas, como se estivesse conferindo sua cor, sua altura.
Depois passou para a linha onde elas terminavam e começava o campo. À direita a
grande propriedade do Frigorífico dos Andes. Certamente tinham um bom rebanho
lá. Havia algumas construções e, vez ou outra,
podia se distinguir uma pequena fumaça indo para o alto. Mais à sua
esquerda, havia pelos menos cinco propriedades relativamente pequenas, mais ou
menos iguais à dele. Todas tinham algumas
plantações, animais, galpões. Dessa parte até ele vinham duas pequenas
estradas de terra, cada uma passando dos dois lados de seu rancho. Ao longo
delas, dezenas de pequenas chácaras, quase todas semelhantes à sua. Conhecia
alguns dos proprietários. Todas pessoas bem simples, de bons costumes e que
adoravam a vida no campo.
Estava
quase terminando seu “exame”da paisagem quando notou um pequeno ponto escuro
quase ao pé da montanha, provavelmente a uns cinco quilômetros à esquerda da
propriedade do frigorífico. Não dava para saber o que era, mas certamente
estava se movendo e era bem grande, se comparado às construções que estavam a
seu derredor.
Aquilo
não seria coisa de deixar José Antunes pensando, mas deixou. Ele tinha intuição
para essse tipo de coisa. Era muito comum todo mundo ver perigo em alguma coisa
e ele achar que não era nada. O contrário também ocorria. Pois bem, aquele
ponto escuro estava incomodando o José. Algo, bem lá dentro de seu ser, estava
soltando um alarme. Normalmente essa era a hora em que ele pegaria seu pequeno
trator e daria uma volta pelas plantações para ver se tudo estava em ordem. Pois bem, resolveu
ficar. Achou melhor ficar olhando mais um pouco. Pegou sua melhor luneta – ele
tinha várias – subiu até onde dava na torre da caixa dágua e lá se instalou.
Ficou
assustado quando pôde dar uma olhada melhor na mancha escura. Não era uma
mancha, era uma forma bem definida. Parecia um besouro gigante. Estava andando
lentamente pelas propriedades. Agora já tinha andado um quarto, mais ou menos,
da distância entre o pé das montanhas e sua casa. Pior que isso, percebeu que já
estava causando confusão. Ficou bem claro que, pelo menos dois homens estavam,
com um rifle, tentando acertar o enorme inseto. Aparentemente, o animal sequer
percebia que estava sendo atingido.
O
estranho ser estava,agora, quase na metade do caminho. Não estava propriamente
vindo direto para a casa do José, mas também não estava longe de sua
trajetória.
O
José sempre raciocinava com lógica. Não acreditava em sobrenatural ou coisas do
gênero. Para ele, sempre havia uma explicação lógica para os fenômenos. Era
difícil, porém, nesse caso. A melhor que ele conseguir elaborar foi a ideia de
um balão gigante rente ao chão– ou talvez um enorme carro alegórico – que algum
louco tinha elaborado para fazer alguma espécie de filme. Talvez até uma
publicidade.Tentou procurar no céu um helicóptero sobrevoando o local. Talvez
com câmeras, filmando. Não havia nenhum. Talvez estivessem fazendo tomadas do solo
mesmo. Ele estava bem de saúde, nunca tivera alucinações em sua vida. Pensou
rapidamente em outras possíveis interpretações mas nenhuma fazia sentido.
Ainda
assim, permaneceu firme, não se desesperou. O que estava acontecendo, pensou, é
que ele não tinha todos os elementos da equação. Talvez com a proximidade do
grande “besouro”, ele ficasse sabendo de algum outro elemento que explicasse o
fenômeno ou, pelo menos, desse uma boa “dica” do que estava acontecendo. Ele já
tinha descido uma vez para buscar um travesseiro para melhor se acomodar. Mais
de uma hora tinha se passado desde a primeira visão. Agora havia três elementos
novos. Definitivamente a “coisa” estava vindo em sua direção, era bem a maior
do que ele tinha calculado – mais de 12 metros de altura, com certeza – e por
último, era incrível, aquilo era uma gigantesca joaninha, com suas bolinhas
coloridas e tudo. José, agora, estava assustado, e pensou na ironia. Um inseto
até bonitinho, do qual as crianças gostam, inocente, ali dando uma de monstro
de ficção científica. E era bem real aquele bicho. Lembrou-se de quando, há
dois meses atrás, tinha uma na mão, e com uma lente, explicava para sua
sobrinha, a composição do bichinho. Ironia, ironia mesmo.
Daí
para a frente foi tudo muito rápido. O enorme coleóptero parecia decidido a vir
até ele. Parou até de se distrair com outras coisas. De repente, José ficou paralisado
pelo terror. Sua razão, porém, ainda funcionava. Lá no fundo, teria de haver
uma explicação, sempre há.
A
monstruosa joaninha estava agora a apenas 500 metros da torre onde ele se
instalara. Foi aí que ele pensou que talvez tivesse sido melhor ter se
escondido debaixo de alguma coisa no seu celeiro. O inseto passaria,
aconteceria o que tinha de acontecer e ele poderia ver na televisão a explicação
daquele evento. Sempre há uma explicação.
Era
tarde demais, a “coisa” estava agora a cerca de dez metros de sua posição. Em
um segundo percebeu que a torre estava caindo com o impacto. Ao cair, ainda viu
as mesmas nuvens da manhã, brancas, contra aquele fundo azul, bonito. Chegou a
pensar: o céu é enorme também e as nuvens ficam suspensas lá em cima, sem
lógica. A gente acha natural, se acostumou. É assim a cabeça da gente. Talvez
houvesse mais lógica no besouro gigante do que no desproporcional céu azul. Mas
agora, nada adiantava. Ele já estava caído, quase desfalecido, lá no chão. Fora
lançado a uns três metros da torre. Estava vendo só a sombra do bicho que,
talvez, estivesse indo embora.
Que
nada, agora a enorme cabeça estava abaixando sobre ele, como se o estivesse
examinado. Não, não era isso, a joaninha estava mesmo é para comê-lo. Até ouviu
quando sua boca começou a quebrar seus ossos. Pela última vez pensou que
deveria haver uma explicação. Talvez esses enormes seres sempre existiram e
nunca nos foi revelado por motivos governamentais. Tudo é possível, há lógica
em tudo. É preciso pensar, raciocinar. Mas para o José, o tempo já havia
passado. Ele tinha parado de respirar. Alguém mais tarde, teria de explicar,
não o José. Não dessa vez.
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