Saturday, April 23, 2016

Lá na distância, uma joaninha

Lá na distância, uma joaninha



José Antunes  morava num rancho bem grande, ao lado de outros tantos, numa grande planície. Do lado sul e leste havia pequenas montanhas, mas dos outros lados a linha reta do horizonte se perdia na vista. Embora estivesse ali, naquele fim de mundo, ele era de razoável cultura e a inteligência. Estava até acima da média. Gostava de olhar a paisagem e conhecia cada ponto dela. Sempre descobria alguma novidade, algo se mexendo, algo que antes não estava lá.
Era uma manhã fria, ele já havia tomado seu café da manhã – imprescindível – e estava fazendo aquela espécie de “supervisão” que fazia em todo começo de dia. Olhou primeiro para o lado da planície. Não havia nada de novo. Algumas nuvens brancas, espalhadas, sem lógica, pelo firmamento. Tentou achar algumas formas, algum desenho, mas não havia nada. No máximo poderia “ver” alguns chumaços de algodão e isso, com muito boa vontade. Seus olhos então foram se dirigindo mais para o lado das montanhas,  para o lado do oeste e do norte. O céu estava mais vazio, mais azul. Primeiro deitou os olhos sobre as montanhas, como se estivesse conferindo sua cor, sua altura. Depois passou para a linha onde elas terminavam e começava o campo. À direita a grande propriedade do Frigorífico dos Andes. Certamente tinham um bom rebanho lá. Havia algumas construções e, vez ou outra,  podia se distinguir uma pequena fumaça indo para o alto. Mais à sua esquerda, havia pelos menos cinco propriedades relativamente pequenas, mais ou menos iguais à dele. Todas tinham algumas  plantações, animais, galpões. Dessa parte até ele vinham duas pequenas estradas de terra, cada uma passando dos dois lados de seu rancho. Ao longo delas, dezenas de pequenas chácaras, quase todas semelhantes à sua. Conhecia alguns dos proprietários. Todas pessoas bem simples, de bons costumes e que adoravam a vida no campo.
Estava quase terminando seu “exame”da paisagem quando notou um pequeno ponto escuro quase ao pé da montanha, provavelmente a uns cinco quilômetros à esquerda da propriedade do frigorífico. Não dava para saber o que era, mas certamente estava se movendo e era bem grande, se comparado às construções que estavam a seu derredor.
Aquilo não seria coisa de deixar José Antunes pensando, mas deixou. Ele tinha intuição para essse tipo de coisa. Era muito comum todo mundo ver perigo em alguma coisa e ele achar que não era nada. O contrário também ocorria. Pois bem, aquele ponto escuro estava incomodando o José. Algo, bem lá dentro de seu ser, estava soltando um alarme. Normalmente essa era a hora em que ele pegaria seu pequeno trator e daria uma volta pelas plantações para ver  se tudo estava em ordem. Pois bem, resolveu ficar. Achou melhor ficar olhando mais um pouco. Pegou sua melhor luneta – ele tinha várias – subiu até onde dava na torre da caixa dágua e lá se instalou.
Ficou assustado quando pôde dar uma olhada melhor na mancha escura. Não era uma mancha, era uma forma bem definida. Parecia um besouro gigante. Estava andando lentamente pelas propriedades. Agora já tinha andado um quarto, mais ou menos, da distância entre o pé das montanhas e sua casa. Pior que isso, percebeu que já estava causando confusão. Ficou bem claro que, pelo menos dois homens estavam, com um rifle, tentando acertar o enorme inseto. Aparentemente, o animal sequer percebia que estava sendo atingido.
O estranho ser estava,agora, quase na metade do caminho. Não estava propriamente vindo direto para a casa do José, mas também não estava longe de sua trajetória.
O José sempre raciocinava com lógica. Não acreditava em sobrenatural ou coisas do gênero. Para ele, sempre havia uma explicação lógica para os fenômenos. Era difícil, porém, nesse caso. A melhor que ele conseguir elaborar foi a ideia de um balão gigante rente ao chão– ou talvez um enorme carro alegórico – que algum louco tinha elaborado para fazer alguma espécie de filme. Talvez até uma publicidade.Tentou procurar no céu um helicóptero sobrevoando o local. Talvez com câmeras, filmando. Não havia nenhum. Talvez estivessem fazendo tomadas do solo mesmo. Ele estava bem de saúde, nunca tivera alucinações em sua vida. Pensou rapidamente em outras possíveis interpretações mas nenhuma fazia sentido.
Ainda assim, permaneceu firme, não se desesperou. O que estava acontecendo, pensou, é que ele não tinha todos os elementos da equação. Talvez com a proximidade do grande “besouro”, ele ficasse sabendo de algum outro elemento que explicasse o fenômeno ou, pelo menos, desse uma boa “dica” do que estava acontecendo. Ele já tinha descido uma vez para buscar um travesseiro para melhor se acomodar. Mais de uma hora tinha se passado desde a primeira visão. Agora havia três elementos novos. Definitivamente a “coisa” estava vindo em sua direção, era bem a maior do que ele tinha calculado – mais de 12 metros de altura, com certeza – e por último, era incrível, aquilo era uma gigantesca joaninha, com suas bolinhas coloridas e tudo. José, agora, estava assustado, e pensou na ironia. Um inseto até bonitinho, do qual as crianças gostam, inocente, ali dando uma de monstro de ficção científica. E era bem real aquele bicho. Lembrou-se de quando, há dois meses atrás, tinha uma na mão, e com uma lente, explicava para sua sobrinha, a composição do bichinho. Ironia, ironia mesmo.
Daí para a frente foi tudo muito rápido. O enorme coleóptero parecia decidido a vir até ele. Parou até de se distrair com outras coisas. De repente, José ficou paralisado pelo terror. Sua razão, porém, ainda funcionava. Lá no fundo, teria de haver uma explicação, sempre há.
A monstruosa joaninha estava agora a apenas 500 metros da torre onde ele se instalara. Foi aí que ele pensou que talvez tivesse sido melhor ter se escondido debaixo de alguma coisa no seu celeiro. O inseto passaria, aconteceria o que tinha de acontecer e ele poderia ver na televisão a explicação daquele evento. Sempre há uma explicação.
Era tarde demais, a “coisa” estava agora a cerca de dez metros de sua posição. Em um segundo percebeu que a torre estava caindo com o impacto. Ao cair, ainda viu as mesmas nuvens da manhã, brancas, contra aquele fundo azul, bonito. Chegou a pensar: o céu é enorme também e as nuvens ficam suspensas lá em cima, sem lógica. A gente acha natural, se acostumou. É assim a cabeça da gente. Talvez houvesse mais lógica no besouro gigante do que no desproporcional céu azul. Mas agora, nada adiantava. Ele já estava caído, quase desfalecido, lá no chão. Fora lançado a uns três metros da torre. Estava vendo só a sombra do bicho que, talvez, estivesse indo embora.

Que nada, agora a enorme cabeça estava abaixando sobre ele, como se o estivesse examinado. Não, não era isso, a joaninha estava mesmo é para comê-lo. Até ouviu quando sua boca começou a quebrar seus ossos. Pela última vez pensou que deveria haver uma explicação. Talvez esses enormes seres sempre existiram e nunca nos foi revelado por motivos governamentais. Tudo é possível, há lógica em tudo. É preciso pensar, raciocinar. Mas para o José, o tempo já havia passado. Ele tinha parado de respirar. Alguém mais tarde, teria de explicar, não o José. Não dessa vez.

À procura de Lucas


Para adquirir este livro no Brasil 

Clique aqui  ( e-book: R$ 7,32 / impresso: R$ 27,47)

Para adquirir este livro nos Estados Unidos 

Clique aqui  ( e-book:  $4.80  impresso:   $11.61

o

No comments:

Post a Comment