O
Milagre
“Milagres são a realidade com peças faltando...”
(personagem da
série de TV “Defying Gravity”)
A rua
da minha casa era de terra. Éramos meninos felizes, brincávamos o tempo todo,
não havia responsabilidades. Era gostoso quando acontecia algo diferente. Uma
falação, as pessoas indo de uma casa para outra, muito movimento. Mesmo quando
era uma coisa triste, como a morte de alguém, ainda assim era uma novidade. A
gente ainda não tinha aprendido a ficar triste, não sabia o que era tragédia.
Para dizer a verdade, a única parte um pouco mais triste, mas não tanto, era a noite. Tínhamos de tomar banho cedo, - não havia eletricidade ainda - tomar a
sopa de macarrão com caldo de feijão e, após algum tempo, ir para a cama. Os
lampiões de querosene não podiam ficar acesos muito tempo, cada coisinha tinha
de ser economizada, não era fácil. Mas não era tão mau assim, pois o sono era
pesado e, de manhã, tínhamos o poderoso lampião eterno, de graça, para nos
iluminar.
Um dia, aconteceu uma
novidade daquelas bem especiais. Apareceu um caminhão e começou a descarregar
postes. Eram altos, de madeira. Logo a seguir, começaram a fazer buracos no
chão, onde os colocaram. Os adultos sabiam o que estava acontecendo, mas não
contavam para nós. Não que fosse segredo. Os adultos daquela época achavam que
as crianças não entendiam nada, não adiantava explicar. As crianças achavam que
os adultos não podiam ser questionados e tentavam descobrir as coisas por si
próprios. No dia seguinte, estávamos ainda mais curiosos e as coisas
ficaram ainda mais interessantes. Os homens misteriosos subiram nos postes e
começaram a espetar ferros, colocar travessões, e a rua parecia estar cheia
de cruzes desproporcionalmente altas. Daí, então, vieram os homens com arames
diferentes dos que conhecíamos e começaram a ligar uns postes com os outros.
Quando dava, nós rapidamente fazíamos incursões na área restrita e coletávamos
pequenos tesouros: pedacinhos nus de fios de cobre, outros cobertos com
plásticos coloridos, uma verdadeira maravilha. Nas casas também havia agitação.
No final da tarde meu pai chegou com rolos de fios de diversas cores e pequenas
peças de porcelana, além de outras coisas, como umas pecinhas redondas
com pequenos pedaços de metal dentro. A curiosidade era enorme. Daí ele
começou a estender os fios pela casa, prendendo-os nas pequenas peças de
porcelana que ele havia colocado na parede. O vizinho veio ajudar. Algo muito
sério estava acontecendo. No dia seguinte, puxaram fios do poste que estava em
frente de casa para dentro. Nesse mesmo dia, à tarde, meu pai trouxe aquelas
bolas de vidro, que mais tarde eu fiquei sabendo que eram lâmpadas.
À noitinha, quando começou a
ficar escuro, meu pai estava acabando de instalar uma última peça mágica,
uma espécie de alavanca na parede da sala. Foi aí, então que eu presenciei o
primeiro milagre de minha vida: as luzes se acenderam, uma em cada cômodo da
casa. Uma luz muito mais forte que a dos lampiões de querosene. Para mim era um
milagre, mas acho que para meus pais também. Eles estavam rindo um riso que eu nunca tinha visto antes. Uma mistura de alegria e admiração, de
espanto e de respeito e sei mais lá o quê...
Como disse, foi o primeiro
milagre que eu presenciei. Talvez não tenha sido o único nem o mais importante,
mas eu nunca esqueci...
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