Saturday, March 4, 2017

As serpentes, o sonho e a realidade


As serpentes, o sonho e a realidade

Coisa estranha. Chegando em casa com as compras em um saquinho plástico, Jonas notou algo que não estava certo. Por entre os arbustos - que eram muitos - podia ver o que parecia ser uma cauda de animal. Desconfiado, olhou melhor o jardim inteiro e foi aí que reparou quão horrenda era a visão toda. Uma enorme cobra, quase um metro de diâmetro, e certamente uns dez de comprimento, estava “estacionada” em frente à casa, bem na porta, impedindo a entrada. Era cheia de manchas, combinação de marrom claro e marrom escuro, um verdadeiro retrato do demônio.
Jonas gelou na hora em que se lembrou de que a esposa estava em casa. Pensou imediatamente na entrada de trás e circundou a casa de longe. O coração quase parou de bater quando viu que atrás havia um outro réptil da mesma espécie, um pouco menor, mas ainda assim, muito, muito grande. Era como se o diabo tivesse trazido uma assistente e estava cercando a casa. A cabeça de Jonas estava fervilhando com um monte de pensamentos. Pensou em cem diferentes ideias para expulsar o monstro, mas todas elas pareciam inúteis. De repente, a segunda serpente levantou a cabeça triangular, ejetou a língua abominável umas dez vezes, arrepiando a pele do coitado do Jonas. Ela estava olhando para o bosque atrás da casa, de onde ouvira um ruído de algum animalzinho correndo.
Ele precisava entrar, a qualquer custo, para salvar a mulher. Podia tentar agora, que a maldita serpente estava olhando para a mata. Mesmo assim, seria muito arriscado. Em uma fração de segundo ela voltaria a cabeça nojenta e acabaria com ele. É nessas horas que você se enche ou de coragem ou de fé. Coragem ele tinha bastante, mas muita coragem perto daquele monstro horrível ainda era pouca. Restava a fé. Pensou no Todo Poderoso e fez uma oração pedindo proteção para a corrida que iria dar até a porta. Se conseguisse entrar sem ser engulido,  ainda teria depois outra batalha: sair. Mas durante a vida, Jonas tinha aprendido que tinha de vencer os obstáculos por etapas e, se você fica pensando nas etapas que vêm depois, você não consegue cumprir nem a primeira.
Você sabe como as pessoas são. Nessas horas pensam em tudo, quero dizer na hora do perigo, na hora da necessidade. E foi aí que Jonas pensou que sua fé talvez não fosse suficiente ou que talvez ele não fosse merecedor da piedade de Deus. Prova disso estava ali, bem na sua frente. Por que Ele havia permitido que aquele monstro – dois deles – estivessem ali? Com tanta casa que havia pela redondeza, justo ali?Pensou então numa outra solução. Sabe, assim como se estivesse “dando uma dica” para Deus de como resolver o problema de uma maneira mais fácil, uma maneira mais sutil, como se para o Criador fizesse alguma diferença o jeito que Ele ia usar para derrotar o monstro. Mesmo na hora da necessidade, algumas criaturas acabam sendo arrogantes querendo ensinar o Pai Nosso para o vigário, mal comparando. Aliás, muito mal comparando. Enfim, lá vai o que Jonas pensou. Que Deus poderia simplesmente considerar aquilo um sonho, um pesadelo, para ser mais preciso, e fazer com que ele acordasse naquela horinha. Mas daí se o que era a realidade virasse sonho, para o que ele acordaria? Pois, a realidade era do que ele estava fugindo. Acredite, passou tudo isso na cabeça do pobre coitado. Quem diria que ele fosse capaz de fazer essas considerações metafísicas? Enfim, ele optou pelo último pensamento, aquele de transformar a realidade num sonho e depois, bem, depois Deus  reinventaria a realidade e ele cairia nela de novo. Sei lá, essa parte é complicada demais, Deus saberia o que fazer. E repetindo como um doido “É um sonho, é um sonho, um tremendo de um pesadelo” , ele correu para a porta.
E não é que, ao correr aquele pequeno trecho, de repente sentiu as pernas sendo seguradas por uns panos, quero dizer, ele estava na cama, esperneando entre os lençóis. Acordou, assustado, verificou se a mulher estava lá. A Jandira estava dormindo como um anjo.
Aí começou um terrível conflito na cabeça do Jonas. Ele não sabia dizer se Deus tinha feito o milagre do século, transformando a realidade num sonho e depois criando uma nova realidade para ele acordar nela, só para ele se livrar das serpentes ou... se ele estava mesmo tendo um pesadelo e simplesmente acordou.
Eus sei que você está pensando que isso é besteira e que é claro que o Jonas estava tendo um pesadelo. Mas não é bem assim, a coisa é bem mais complicada. Quem pode garantir? Esquisito? Não foi esquisito aparecerem duas cobras enormes na casa dele? É verdade que se fosse um pesadelo, elas seriam de mentira.
O bom mesmo seria que a fé do Jonas fosse tão forte que ele acreditasse que Deus transformou a realidade em sonho. O que vale é o que a gente acredita. Se ele acreditasse, seria verdade. Além disso, já pensou no futuro de Jonas, com aquela fé, com aquele poder que a fé garante, transformando em sonho toda realidade que fosse inconveniente? Realidade, sonho, realidade. Que complicação! Infelizmente a fé do Jonas não era tão grande assim...


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 À  procura de Lucas


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