A respeito de Miguilim e outras coisas da vida
Nem sei como um escritor como Guimarães Rosa pôde acontecer. Ele fez
nas páginas da literatura mais do que Dali e Picasso fizeram nas telas.
A magia que ele arrancou das palavras, nem mesmo elas sabiam que estava lá. A
visão do mundo que ele conseguiu revelar com suas incríveis narrativas, bem como o uso que fez da linguagem, é quase
impossível de se encontrar.
Recentemente li mais uma vez a história do menino Miguilim em
“Campo Geral”. E essa leitura me fez meditar, aliás, com muita satisfação. Nessa
história, percebemos que o garoto não
enxerga bem, mas não sabe disso, até que um senhor de fora chega até seu meio e
alerta para o fato. Ele percebeu o que estava ocorrendo, após notar que Miguilim “apertava” os olhos para conseguir ver. No
caso, Miguilim queria saber se o senhor estava sorrindo mesmo. O estranho,
então, coloca seus óculos no garoto e, de repente, ele começa a ver um mundo
que não sabia existir. Pelo menos, não daquele jeito. Miguilim, que vive num
lugar remoto, logo depois é convidado a partir com aquele senhor para obter
estudo, conhecer um mundo diferente e, lógico, conseguir um par de óculos. Na
hora de sair, quando está se despedindo de todos e todos se despedindo dele,
pede para o homem deixar que, mais uma vez, ele coloque os óculos. Guimarães Rosa, então, descreve
o que Miguilim consegue ver. Uma nova
versão, mais bonita e ampliada do que ele conhecia. É uma descrição fantástica,
de fazer chorar. A imensidão de metáforas que brota dessas cenas, mal posso vislumbrar...
Isso me fez pensar em coisas da vida. Quando somos crianças,
vemos o mundo à nossa maneira, de uma forma muito especial. Há mais de nossos
sonhos e desejos no que vemos do que a realidade está mostrando. De repente,
você não é mais criança, começa a ver o mundo como ele é, mais vivo, mais
interessante e mais outras coisas. É o mundo sob os óculos de Miguilim. Mas,
dali a pouco, percebe-se, ele vai perdendo novamente a magia, desfazendo os
sonhos e as fantasias do ser que era antes uma criança. Belezas que só os
pequeninos conseguem ver, mesmo quando são míopes como o Miguilim.
Mas é o que temos de fazer: seguir pela vida,tropeçando aqui
e ali, e deixar a infância e suas fantasias para trás.
A gente vive então a vida, muitas vezes aos trancos e
barrancos, com alegrias e tristezas, com tragédias e com consolos, enfim, a
vida como ela é. Depois vamos ficando mais velhos, bem mais velhos. Chega uma
hora em que pensamos que talvez seja bom sonhar novamente. Talves seja bom
fugir um pouco do realismo duro que existe por aí. Temos direito, afinal já
passamos por tanta coisa.
Muita gente até acha que as crianças, por serem puras, são
como os anjos. Eu acho que os velhos sentem essa necessidade de voltarem a ser esses
anjos, para poderem sonhar uma vez mais, Talvez para poder encerrar as coisas
por aqui e recomeçar em outro lugar. Mesmo os ateus. Até eles querem ter o
privilégio de poderem sonhar novamente. Para muitos, o que ficou entre a
infância e a velhice foi apenas um sonho feio, um pesadelo que deve ser
esquecido...
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