Ficante
pão
Não
sei se é verdade, ainda não verifiquei pessoalmente. Dizem que há uma nova
palavra na praça: “ficante”. Como professor, imediatamente deduzi que é
derivada do verbo “ficar”, significando aquele “que fica”. Obviamente todos já
sabíamos que os jovens estavam usando “ficar” há algum tempo, não em seu
sentido tradicional, mas no sentido de “ficar com alguém, por algum tempo, sem
compromisso, sem maiores intenções”. Que diferença brutal , há algumas décadas
atrás, nem se pensava em uma coisa dessas. Para “ficar” com alguém, suas
“intenções” tinham de estar bem claras. Quem não se lembra da famosa pergunta
que o pai da moça fazia assim que se começava um namoro: “Quais são suas intenções com minha filha?“
Águas
passadas, todo mundo pensa diferente agora. A ciência muda, a natureza muda,
tudo muda, por que o relacionamento das pessoas não mudaria? E, com ele, as
palavras. O fato de, recentemente formarmos
o substantivo “ficante” do verbo ficar,
provavelmente indica que o estranho vocábulo tenha vindo para “ficar”, sem
querer abusar de trocadilhos.
Pode
ser também que, daqui a algumas décadas, não exista mais namoro, noivado ou
casamento. Talvez todos sejam “confeccionados” em laboratório e as pessoas não
vejam graça em “ficar” também. Quem sabe, “fiquem” ligadas apenas na rede:
muita gente já está assim, não está? Pode ser que o que hoje é “ficar”, no
futuro próximo seja somente “conectar” em sentido figurado e o “ficante” seja
apenas o seu “paquera”....Oops, acha que “paquera” também já não existe mais,
ou existe? Na verdade, eu quis dizer “conectante”.
Fiquei
tanto na palavra “ficar” que estava me esquecendo da outra palavra sobre a qual
queria falar: “pão”. Talvez você não saiba, mas há muitos anos atrás, se as
garotas achassem que você era “bonitão” ou, pelo menos “engraçadinho” ou
“atraente”, elas iriam chamá-lo de “pão”. Era muito comum, numa rodinha, elas
comentarem sobre alguém: “Ele é um pão.”
Não mais, não mais...
Foi
por isso que pensei, como experiência linguística, que alguém pudesse usar uma
expressão híbrida ( em termos temporais, é claro) “Meu ficante é um pão”. Na
mesma frase, duas expressões separadas por décadas. Acho, porém, que elas nunca vão aparecer juntas. A não ser
que, uma moça, viajante do tempo, de repente jogada no nosso meio social e ainda meio atrapalhada com o uso da gíria
atual, faça uma combinação dessas.
Não, acho que não...Acho que os “pães” não
“ficam” mais e, igualmente, o “ficante” não é mais chamado de “pão”. Assim,
posso garantir, “ ficante pão” é, definitivamente, um paradoxo.
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