O
Raimundo está pensando
Raimundo
era muito quieto. Ficava sozinho, por horas, pensando. Outras poucas vezes,
estava alegre e conversava, e contava piadas. Em que pensava o Raimundo nas
horas de quietude? Vinha uma avalanche de pensamentos, palavras, imagens. Às
vezes tinham sentido, conexão, às vezes não. Só uma torrente de palavras
loucas, sem nexo. Naquela manhã, se pudéssemos transcrever o que estava
passando em sua mente, teríamos algo assim:
-Estou
na boleia do trem contemplando o pôr do sol em Vênus. Comigo estão almas que não
conheço. Me apaixono por uma que está atrás de mim, mas não posso ver seu
rosto. O café que tomei de manhã, na esquina de minha casa, queimou minha
língua. Pus groselha para tirar a dor. E a bebida me deixou leve, inspirado.
Por isso, agora estou voando, em baixa altura, para meu trabalho. Vejo todos de
cima. A rainha da Finlândia me espera lá para um encontro. Vai dar uma solução
para meu casamento.
E
assim ia, numa torrente. Ainda bem que não falava nada em voz alta. Iriam achar
que não batia bem. Mas será que não somos todos assim? Quando pensamos sozinhos,
pensamos coisas sem sentido também, como o Raimundo faz? Se pensamos, não
confessamos.
Na
manhã de domingo, Raimundo acordou diferente. Estava pensando nos anéis de
Saturno. Via aviões da Varig no meio deles, tentando acertar a rota. Vez ou
outra uma pequena pedra batia em suas asas e tirava um pedaço. Raimundo podia
ver o piloto, desesperado, acenando através da janela, pedindo socorro. Foi daí
que percebeu que ele também estava num pequeno avião. Era um jatinho,
transparente, feito de vidro, mas que resistia a tudo. O ar, porém estava
acabando.
Foi
daí que Raimundo mudou. Naquele exato momento. Sentiu que precisava falar, se
expressar, pedir socorro. Caso contrário, iria morrer sufocado dentro do avião
de vidro. Era o mesmo problema do piloto da Varig: ninguém o ouvia.
Assim foi
que, de repente, Raimundo começou a falar em voz alta, sem parar, pedir
socorro, dizer tudo que lhe vinha a mente. Percebeu que a família, todos os
seus, começaram a olhar para ele com estranheza. Horas mais tarde levaram-no
para ver um médico. De lá mesmo foi
transportado para um hospital diferente. E fizeram exames e mais exames. E lá
ficou para sempre. Seu caso não tinha cura.
Por
que esse Raimundo tinha de abrir a boca? A maior parte das coisas não se diz
para ninguém. Boca fechada.
Se o
Raimundo tivesse ficado quieto, estaria vivendo uma vida normal como todos nós
e não num hospício. Todos nós, que também pensamos besteiras e doidices o tempo
todo e os que não pensam nada. Estaríamos todos juntos, vivendo felizes.
Poderia, até, ter uma vida feliz, o Raimundo.
Raimundo,
Raimundo... Ao contrário do que diz o poeta, você poderia rimar com o mundo, calando-se,
seria mais que uma simples rima, seria uma solução. Provisória, pelo menos.
oooooOOOooooo
Estranhas Histórias
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