O
Monólogo do Astronauta
-
Eu estava
bem há uma semana atrás, Greg. Fiquei hibernando quase dez anos e quando
voltei, achei o máximo. Foi muito bom voltar. Mas agora estamos nessa área do
espaço onde nada acontece, eu acho tudo muito monótono. Você já me aconselhou a
ir até a sala de entretenimento. E eu fui, Greg. Várias vezes. Mas sabe, para
um cientista como eu, é um absurdo me divertir com as coisas que estão lá.
Ainda assim, eu vou. Mas sobra muito tempo, Greg. Muito tempo. Você não tem
esse problema, não é mesmo Greg? Não está no seu DNA, certo? Calma, só estou
brincando...Às vezes, eu penso, seria bom ser como você. Sempre bem, sem
problemas, sem chateação. Greg permaneceu inalterado, insensível.
As lamentações de Glenn não o comoviam. Talvez estivesse ocupado com coisas
muito mais importantes...
-
Antes
dessa última hibernação as coisas eram fantásticas. Todo dia acontecia algo
diferente, alguma coisa especial. Aposto que até você se entusiasmava. Era tudo
muito excitante, mesmo para nós cientistas. Às vezes fico pensando se não teria
sido melhor ter ficado na Terra ou mesmo em Marte. O setor de exploração fixa é muito
interessante. Eu devia saber. Eu sabia que meu “reavivamento” iria ocorrer
nessa região do espaço, no meio do nada, nada literalmente, nada visualmente...Greg,
estava pensando...Talvez pudéssemos falar sobre essa nova teoria do “superposição
dos estratos temporais”, que esses cientistas neo-quânticos estão anunciando.
Eles são demais, não são? Mesmo você, Greg, que é superavançado, deve estar
excitado com a ideia. Quem diria, hein? Todo mundo pensava que tínhamos todos
os lados da equação com referência ao tempo e eles vêm com essa história. Eu
não sei porque eles escolheram o termo “temporais”... Todo mundo sabe que
envolve espaço também. Acho que deveria ser “espaço-temporais”. Eu sei que o
nome não importa, o que importa é o novo conceito. O que você acha, Greg? É uma
coisa espetacular, não é? Acho que vai mudar o jeito que viajamos no espaço
para sempre...Você não acha? Quem poderia imaginar uma coisa dessas? Fico imaginando como aquele homem que pisou
pela primeira vez na Lua, reagiria. Ele tinha o meu nome, Glenn? Não? Claro que
não, agora me lembro, era Armstrong. Gostaria de ver a cara dele. Acho que ele não iria entender nada do que a
gente está falando. Até para a gente é difícil. Até você, Greg, que considero o
máximo em inteligência, tem uma certa dificuldade em entender. Não quero que
você fique ofendido. Você não tem culpa. Faltam dados...Ninguém tinha esses
dados quando você começou a existir.
-
Não é
mesmo, Greg? Ei, Greg, como você acha que vai ficar a exploração do espaço
agora? Vai mudar tudo, não vai? Esse tipo de viagem que estamos fazendo não vai
fazer mais sentido. Mas nós ainda seremos úteis, Greg. Eu e você. Pode apostar.Um suave alarme soou interrompendo Glenn.
Era o Greg. Como computador mestre da viagem, ele estava ordenando a Glenn que
voltasse para seus aposentos. Ele precisava descansar. E Glenn sabia que tinha
de obedecer, senão...Glenn falou “ até logo” para Greg e se recolheu. No corredor até sua
cabine ficou pensando. Talvez o Greg tivesse ficado chateado com essa história
de ele não ser mais necessário nas futuras empreitadas da exploração espacial. Talvez
ele nem acreditasse que isso pudesse acontecer. Ele era uma máquina, talvez
conseguisse “sublimar” essas coisas de alguma forma. Ou será que o Greg estava
achando sua conversa enfadonha e estava se livrando dele tocando aquele alarme?
Nunca se sabe, esses computadores são muito sensíveis, às vezes até mais do que
os humanos. Caramba, como alguém pode achar “superposição dos estratos
temporais” uma coisa chata? Vai mudar tudo. Glenn suspirou antes de entrar em
sua cabine:
- -Às
vezes eu não entendo o Greg. Afinal de contas, não é fácil passar o tempo por aqui. Ele, mais do que ninguém,
deveria saber disso. Justo
ele que nem faz hibernação, fica acordado o tempo inteiro! Às vezes não consigo entender o Greg...
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