Uma carta estritamente familiar
Querido
pai:
A nação é como se
fosse uma mãe.
O governo é como se
fosse um pai,
aquele que toma as decisões no dia a dia.
”(Nino Belvicino, em
alguma de suas obscuras obras)
Quando eu estava morando com você, havia coisas que eu não
tinha coragem de falar. Além disso, estava envolvido com meus estudos, pensando
na carreira, etc...Nessa época meu senso crítico não funcionava com clareza.
Agora entendo quase tudo o que aconteceu. Não vá ficar chateado com o que vou
escrever, estou dizendo isso apenas para seu próprio bem.
O primeiro e mais
importante conselho que eu queria dar é sobre essa mania que você tem de se intrometer
na vida dos vizinhos. Dizer para eles que é assim ou assado, dizer para eles
qual é o “jeito certo de fazer as coisas”. Pelo amor de Deus, pare de falar
para eles como educar seus próprios filhos, de dizer o que é certo ou errado.
Pior ainda: você se lembra daquele pessoal que mora logo ali, descendo a rua?
Só porque eles não quiseram seguir o seu conselho, você fez a maior
confusão...Obrigou todo mundo da rua a não falar com eles, não fazer negócios e
um monte de outras coisas? Bem feito para você! Eles sobreviveram, apesar de
tudo isso, e não estão nada piores do que os outros da rua. Tem gente que acha
até que, em algumas coisas, eles estão bem melhores. Enfim, não se pode
intrometer desse jeito nas coisas dos outros. Foi tudo tão absurdo que até
pensei que o seu problema era com a barba comprida que o homem tinha. Mas não
pode ser...seria um absurdo!
Tem mais. Depois que
saí de casa, contaram-me umas coisas que são difíceis de engolir. Eu não me
lembro muito bem porque eu acho que era muito pequeno quando tudo aconteceu.
Fiquei sabendo que você se intrometeu numa briga feia que houve lá no fim da rua.
Era uma briga de família e você mandou umas armas para a esposa. O que você
queria? Que ela matasse o marido? Pois fique sabendo que quem morreu foram dois
dos filhos. Os pais acabaram se entendendo e quase não brigam mais. Mas não por
causa de você. Além disso, você emprestou dinheiro para a mulher para ela ficar
em vantagem em relação ao marido. Até outro dia eles ainda estavam pagando a
dívida. Dizem que um dos filhos nunca pode chegar até a faculdade por causa
dessa dívida. Meu Deus, como você teve coragem?
Como se isso não
bastasse, você andou se intrometendo até na outra parte da cidade. Com todo
respeito, como você foi meter o seu nariz num lugar tão longe? Fez o mesmo que
fez com nossos vizinhos: mandou armas. E como se isso não bastasse, você foi
lá, pessoalmente, se meter na briga. O que você tem de se intrometer se eles
estão brigando entre si? Se um prefere o azul e o outro o vermelho, não é
problema seu. Você machucou pessoas lá e você acabou se machucando também. Viu
o que dá meter o nariz onde não é chamado? Até o pessoal de sua casa estava
zangado com você. Perdeu tempo e dinheiro lá. Pensa que eu não sei que o
pessoal lá em casa passou aperto? Acho até que passaram fome.
Depois de tudo isso,
eu pensei que você tinha aprendido. Que nada. Continua se metendo em brigas dos
outros. Outro dia, ouvi dizer, havia uma família que nem estava brigando e você
foi lá, invadiu a casa e andou matando gente! Até pessoas da sua própria
família andaram morrendo! Ainda bem que eu não estava em casa. Você se lembra
de que um dia me falou que não me reconhecia mais como seu filho, eu podia ir
embora? Foi sorte minha. Se estivesse lá quando você invadiu a casa da dona Ira...Que
teria sido de mim?
Você sabe, melhor do
que eu, o resultado de tudo isso que andou fazendo. Ficou todo endividado. Que
vergonha! Pensa que eu não sei que você deve um monte de dinheiro para aquela
mulher que gosta de usar vestido com tons de vermelho? É isso mesmo, aquela que
entrou na briga das cores, azul versus vermelho. Você brigou com os amigos dela
e depois precisou emprestar...Que vergonha! Ainda bem que nessa questão de
cores ultimamente você aprendeu alguma coisa. Você viu como todas as cores são
bonitas? Por que brigar?
Eu sei que você está
com problemas financeiros. Sei também que no fim você dá um jeito. Por outro
lado, eu sei que você nem saiu das encrencas anteriores e já está tentando
entrar em mais uma briga. Estou avisando, para seu próprio bem, não se meta com
essa gente.
Apesar de tudo, gosto
de você. E, pelo amor de Deus, não entre mais em confusão. Vê se ajuda a sua
própria família. Ou você ainda não
percebeu qu alguns dos seus filhos estão com problemas enquanto outros não
sabem o que fazer com tanto que têm...às vezes acho que você não é tão mau
assim, talvez até um pouco ingênuo. Não sei...
Filho da América
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