O Incerto Destino da Nave CRA 2513-79
Voltando
Agora estava chegando a hora da
verdade. A qualquer momento Dr. Lynn
seria descoberto. Teria de admitir que havia reprogramado seu destino para
Marte. Não sabia se haveria uma luta de palavras ou apenas uma luta cibernética
tentanto reverter sua rota para a Terra ou talvez algo pior. Agora mais do que
nunca, Dr. Lynn queria levar sua cidade voadora para o Planeta Vermelho”. O
nome soava estranho, porque havia pouco vermelho por lá. Marte agora se parecia
muito mais com a Terra de antigamente, era muito mais humano que nunca. Um
verdadeiro céu para quem detestava a escravidão total para as máquinas, para a
“Inteligência”, para a “Rede”. Dr. Lynn revisava em sua mente os 50 anos de
viagem, o projeto, como tudo aquilo passara a ser o seu motivo de vida. Em
muito pouco tempo saberia se poderia voltar a sentir felicidade genuína, não
induzida por computador. Sentir de novo o que é ser humano…
CRA 2513-79: A BELA ADORMECIDA
Muitos séculos haviam se
passado desde que o homem havia pisado na Lua pela primeira vez. Agora os
terráqueos estavam espalhados não só pelo sistema solar mas também faziam parte
da colonização de planetas distantes. Havia também o que era chamado de
“planetas móveis”, enormes naves espaciais que ficavam viajando pelo espaço por
tempo indeterminado. Elas acomodavam milhares e milhares de navegantes,
verdadeiras cidades voadoras. Elas eram importantíssimas não só por motivos práticos e logística
espacial mas também por motivos científicos.
A raça humana estava
irreconhecível se pensarmos em termos de
século 20 e 21. Não havia mais concepção no sentido que o termo tinha séculos
antes. Todos os humanos eram feitos por computadores em laboratório, geneticamente
já direcionados para a função que iriam exercer e o local para onde seriam
enviados. Finalmente o “admirável mundo novo” de Aldous Huxley havia se
concretizado. O caso da nave “Sleeping Beauty”, nome romântico dado para a
estação móvel “CRA 2513-79”, era porém
ainda mais especial. Havia sido lançada
há 50 anos da Estação Lunar “LR 21VT” e tinha uma missão específica.
Originalmente ela tinha apenas 97 navegadores, todos cientistas de diversas
modalidades. Nesses anos todos sua
população tinha aumentado para 37.334 habitantes, o que na verdade havia sido
também planejado. Era mais do que uma nave, era uma cidade ou um planeta
navegando pelo espaço.
Marte
Marte, visto do espaço, era
agora muito diferente dos primórdios da colonização do espaço. Havia verde e
azul como na Terra e grandes conglomerados de construções: na verdade, agora áreas habitadas pelos
colonizadores. Por inúmeras décadas foi tentada a técnica da terraformação para
se conseguir uma atmosfera semelhante à da Terra mas o resultado ficou no meio
do caminho. Ainda assim foi possível a colonização. Uma parte dos humanos que
vinham para Marte já estavam geneticamente preparados para resistir a essa
atmosfera mais hostil. Ainda assim usavam nano-implantes como complemento para
que seus corpos pudessem resistir a um
ambiente tão diferente como o do nosso planeta irmão. Outros viviam em ambientes cobertos
por abóbodas enormes, feitas de material
fino mas extremamente resistente. A nanotecnologia e a tecnologia de
resistência de materiais haviam alcançado níveis de sofisticação que ninguém
sequer jamais imaginou. Os terráqueos sem a configuracão genética necessária
tinham de usar mais aparelhos para poderem sair das áreas fechadas e enfrentar
a nova atmosfera do planeta. Os marcianos, como eram chamados os “bebês”
criados em laboratórios na nova colônia da Terra só poderiam ser feitos a
partir de material de adultos já geneticamente modificados. Ironicamente, o
“admirável mundo novo” da nova colônia da Terra era aparentemente mais feliz e mais
“humano”do que a própria civilização do Planeta Terra.
Na verdade, 57 anos depois que
oficialmente habitantes e não exploradores definitivamente se instalaram em
Marte, ela passou a ser uma ex-colônia. A partir do momento em que a
inteligência artificial tomou conta de tudo, uma parte da comunidade científica
começou a demonstrar forte preocupação com os rumos que isto poderia tomar. O Estado,
agora na verdade a “Grande Confederação” , teria suas ações baseadas 100% por
cento na decisão dos computadores quânticos, considerados perfeitos. Os
dirigentes - o Grande Conselho - apenas corroborariam essas decisões e na
verdade apenas as mais importantes. Milhões de pequenas e médias ordens seriam
executadas automaticamente sem passar por qualquer escrutínio de seres humanos.
Eram muito fortes na cabeça de todos as inúmeras barbaridades executadas por
políticos e dirigentes nos séculos 20 e 21. A confiança nas decisões da
inteligência artificial era quase unânime.Todos sabiam também que o próximo
passo seria deixar que também as grandes decisões fossem executadas diretamente
pela “Rede” sem necessidade de aprovação de qualquer ser humano. Aí residia um
grande perigo segundo um segmento da comunidade científica. E se os
computadores ficassem tão “humanos” que assimilassem também suas
“megalomanias”?
Havia uma linha de cientistas
que mais e mais queriam evitar esse poder crescente das máquinas. O Grande Conselho
começou a isolar os cientistas dessa linha de pensamento no planeta Marte. Foi
uma espécie de exílio. E a grande ironia que isso foi decisão também dos
computadores. Ironia maior ainda foi quando os mesmos computadores decidiram
que era melhor não intervir quando os cientistas de Marte juntamente com sua
administração decidiram se separar da Terra. Foi verdadeiramente uma grande
ironia ou talvez a sofisticada rede de Inteligência tivesse planos mais
sofisticados para o futuro. A verdade é que o Grande Conselho foi fiel a seus
princípios e confirmou as decisões da Rede de Inteligência, permitindo a
formação de um Conselho independente em Marte. De qualquer forma, não teria
havido violência ou Guerra ou motim de uma parte ou de outra. Há muito tempo
isto havia sido banido da nossa civilização. A Lua, outros planetas e os
“planetas móveis” continuavam parte do sistema de colônias da Terra. Marte era
uma espécie de reduto humanístico, talvez uma referência para a Terra, que em
em sua marcha futurística, poderia vir a
perder todo contacto com o que é essencialmente humano. Você sempre poderia
olhar para Marte e perceber que se pode mergulhar na ciência sem perder a
humanidade.
O Projeto “Bela
Adormecida”
Durante o longo período de
debate entre os “humanistas” e os “intelligents” – a celeuma durou décadas - um
grupo de cientistas, apoiado pelo Grande Conselho, dedicou-se a um grande
projeto chamado “Bela Adormecida”. O projeto tinha duas faces, uma para o
público em geral e para os cientistas normais e uma outra, mais secreta, para
os os cientistas magnos – as grandes inteligências do sistema - e o Grande
Conselho. Era aceitável haver um lado secreto para projetos pelos mesmos
motivos que os governos antigos tinham serviços secretos, serviços de
inteligência, etc. No entanto ninguém imaginaria haver motivação política na parte “não pública” do
projeto mas apenas segredos científicos. O projeto “Bela Adormecida” tinha como objetivo principal criar um grupo
de pessoas com características genéticas desejáveis para o próximo milênio. Em
outras palavras, fazer já, em cinquenta anos, o homem perfeito, o homem que
normalmente só apareceria em mil anos se a ciência genética seguisse seu
caminho normal, o que já era assustador. Para fazer isso o plano previa o
isolamento de espécimes humanas de primeira linha, a seleção dos maiores
cientistas – chamados “magnos”- do setor de genética, e a instalação do que
havia de mais avançado em computação quântica numa grande nave, com capacidade
para 40.000 pessoas: CRA 2513-79 ou a
BELA ADORMECIDA. Era uma mini terra que seria enviada para fora do
sistema solar. Haveria um sistema de comunicação reduzido com a terra, mas o
resto da nave teria vida própria e independente. Durante a viagem – projetada para
50 anos – 97 cientistas iriam aprimorando e selecionado espécimes humanos cada
vez mais perfeitos, dentro de uma população geral de cerca de 40.000, projetada
para o final da viagem. O grupo final a ser selecionado – projetado para 300 - seriam os “super-homens” e deveriam ter a
idade de 5 anos por volta da época em que o projeto fosse encerrado. Voltariam
então para a Terra para a fase final do projeto. A partir daí forneceriam
material genético para as futuras gerações, as gerações dos homens perfeitos.
Havia muitos comentários entre os entendidos. Muitos acreditavam que o novo
homem não teria sexo, afinal de contas, ninguém era mais concebido pelo sistema
antigo. Essa nova espécie também não se comunicaria através da linguagem mas
através de ondas elétricas emitidas por seus cérebros super especiais. Mas nada
era positivo ou garantido. Havia uma sombra de mistério e segredos envolvendo
tudo que se referia à gigantesca nave. Além dos motivos técnicos, havia um de
ordem política para esse projeto ser feito em um local distante da Terra: ficar
livre de influências de qualquer tipo. Tinha de ser um projeto puro.
Dr.Lynn: uma ironia
Dr Lynn era uma verdadeira
lenda no meio científico. Além de saber usar com maestria os benefícios da
inteligência artificial no seu ramo, era também muito intuitivo, aliás a única
forma de um ser humano chegar a competir com os computadores. Havia um boato de
que ele era humanista o que não seria muito bom politicamente, mas ele nunca
admitiu isto, nunca deu declaração pública a respeito. For por isso que a
notícia de que ele seria o chefe da missão, pareceu um pouco estranho no seu
meio. No entanto lá estava ele, coordenando todo o projeto, inclusive a
construção da fantástica e gigantesca nave na órbita da Lua. Inúmeros cargueiros espaciais viajavam todos os dias
da Terra para a órbita lunar para levar material geral e genético e na parte final do projeto,
equipamentos sofisticadíssimos de inteligência artificial. Alguns deles nunca
tinham sido usados ou experimentados antes, mesmo porque só funcionavam bem em
velocidades próximas da luz.
Foi ideia do Dr. Lynn – e bem
aceita pelos responsáveis do projeto – fazer um grupo de controle. Esse seria
formado por um grupo 300 pessoas normais, ou pelo menos que não usariam
técnicas especiais de aprimoramente genético para servir de contraparte para os
“grupo de 300” super-homens. Seriam “concebidos” durante a viagem também. A
ideia era ter pessoas normais evoluindo paralelamente. No caso de as coisas
darem errado, pelo menos haveria uma referência.
Mesmo para uma ética
extremamente mais tolerante – geneticamente falando – do que a da era
pré-colonização, o projeto era ousado. Esses
novos seres ao atingirem 5 anos de idade já estariam no completo domínio
de suas faculdades mentais. Estariam livres do resto que sobrara de influências
sentimentais, morais ou qualquer coisa que impedisse o homem do futuro de
atingir o ápice da raça humana. Sexo, ambição e fome ficariam sublimadas de
alguma forma neste novo cérebro criado pela inteligência artificial, embora
fosse “humano”.
A civilização humana estava
bastante adiantada também em termos de convívio social, respeito às regras,
etc. Não havia mais guerra, revoluções, insatisfação, terrorismo ou qualquer
coisa do gênero.
Por isso era preocupante que naquele momento se instalava uma
grande conspiração dentro desta inédita fase de nossa evolução. O verdadeiro
segredo da missão, quase ninguém sabia, era que, na verdade, os “super-homens”
resultantes da viagem da “Bela Adormecida” não seriam usados como um banco
genético para o futuro da humanidade como estava sendo propagado, mas sim,
assustadoramente, para serem uma espécie de complemento para as máquinas que
constituiam a “Rede”, ou o fantástico hardware base da “Inteligência
Artificial”. Os corpos deveriam ficar em estado de hibernação e seus cérebros
seriam conectados à rede. Este seria o requinte final para a inteligência
artificial: o toque humano que faltava. Daí a necessidade de um “super-homem
compatível com a fantástica sofisticação daquelas máquinas.”, Em cinquenta anos
seria possível criar uma atmosfera em que isso ficasse viável ou até aceitável
ou necessário diante dos olhos da população regular. Era o que esperavam. A
nave voltaria para a Terra com a nova geração dos 300. O plano para os outros
milhares que também iriam “nascer” na nave era colocá-los de volta em outras
viagens. Eles não estranhariam pois era o que eles sempre tinham experimentado:
viver em uma nave. Até a volta da Bela Adormecida o movimento “humanista”
provavelmente teria arrefecido. Os articuladores do projeto achavam que ao
nomear Dr Lynn para chefiar a missão, estavam conseguindo uma espécie de
salvo-conduto para suas experiências. Ninguém suspeitaria de que havia algo
escuso por trás de tudo. Ficaram por um lado aliviados e por outro admirados
quando o proeminente cientista aceitou o cargo. O que eles não sabiam,
entretanto, era que Dr. Lynn tinha bem claro em sua cabeça que aquilo seria
feito com ou sem ele. Melhor com ele, pensou. Além disso, quando ele sugeriu o
“grupo de controle” ele tinha algo diferente em mente.
A Viagem
Dr Lynn contava com a vantagem
de não ter que enviar mensagens constantes para a Terra. Afinal nem eles
queriam. Não seria uma boa ideia pessoas alheias à verdadeira finalidade do
objeto terem acesso aos desenvolvimentos que estavam ocorrendo na “Bela
Adormecida”. Quanto menos informação, melhor. Verdade é também que os
computadores tinham a programação e saberiam se o desenvolvimento do projeto em
termos científicos estava se desviando do objetivo. Dr. Lynn sabia como
encaminhar suas pesquisas de modo a satisfazer à “inteligência”. Além disso
havia muitos entre os 97 que compartilhavam secretamente com as ideias
humanistas do Dr. Lynn e nos anos seguintes, com calma e cuidado, outros mais,
muitos, foram convencidos. No entanto, a espinha dorsal do projeto tinha de ser
mantida.
Centenas de “novas vidas” já
com as instruções genéticas de aprimoramento eram feitas a cada mês. Os “bebês”
passavam por sofisticados estágios de aprimoração. De cada grupo de 1000 novos seres, apenas alguns eram
retirados para prosseguirem no projeto. Seriam crianças de 5 a 10 anos
superdotadas apenas. Os outros passavam
a fazer parte da população regular da nave, cada um executando suas tarefas. Para
o projeto eram praticamente peças rejeitadas. Não
para o Dr. Lynn, que criou em volta delas uma verdadeira comunidade do espaço.
Uma espécie de grupo privilegiado, que compartilhava antigas visões
“humanísticas” da sociedade.
Havia um pequeno “Conselho”
formado pelos principais cientistas da Bela Adormecida”. Faziam reuniões
periódicas sem a presença da “Inteligência”. Essa havia sido uma das exigências
de Dr. Lynn para aceitar a empreitada. Ele havia convencido a comissão especial
de que isso era fundamental numa viagem com quase total isolamento da Terra.
Poderia haver emergências que nem mesmo os melhores computadores poderiam
prever. Eles precisariam de margens de manobra para situações especiais. Tudo
isso era mesmo verdade e Dr. Lynn sabia que ele não poderia passar 50 anos
“driblando” a “Inteligência” mesmo como estava na nave, desligada da “Rede”.
Havia salas especiais onde esses encontros se realizavam completamente
desconectadas do resto da Bela Adormecida. Ali se falava abertamente das
digressões propositadamente aplicadas ao programa. Não havia segredo. Quanto
aos novos habitantes “nascidos” na nave não havia nenhum problema, eles estavam
sutilmente sendo “educados” como cidadãos” da Bela Adormecida. Fora fácil
“convencer” os computadores da nave que essa seria a melhor forma de passar
aquelas décadas iniciais.
A menina “Gênesis”
Uma grande novidade era que os novos
habitantes podiam procriar como nos velhos tempos. Começou com um acidente.
Aconteceu. É verdade que não teria acontecido se Dr. Lynn seguisse estritamente o programa genético
que havia sido traçado. Fizeram o parto e tudo. Deram o nome de “Gênesis” para
a menina que havia nascido. Foi uma comoção que ninguém ali, nem mesmo quando
estavam na Terra, jamais havia sentido. No follow-up para os computadores foi
justificado como uma necessidade de manutenção de certos elementos “naturais” e
que isto fazia parte das atividades do grupo de controle. A “Inteligência”
aceitou, não enviou sinal de alarme para a Terra e Dr. Lynn, a partir dali,
multiplicou as experiências, deixando praticamente livre a geração de bebês de
forma natural. Isto não acontecia mais nem na Terra, a não ser em áreas
especiais que eram conservadas para estudos e ponto de referência para a antiga
humanidade. Quando a Bela Adormecida fez 42 anos praticamente 50% da população
era de bebês naturais, uma estatística que deixaria o Grande Conselho
estarrecida. Dr Lynn, Dr. Sat, Dra. Martha e outros membros mais “humanistas”
da direção da nave mal podiam esconder o entusiasmo e a alegria com aquele
renascer do “humanismo” em pleno espaço. Verdade era também que essa nova
“raça”, ainda assim era bem diferente do
homem de séculos atrás, mas muito mais humana do que a atual raça da Terra e
certa e felizmente menos “tech” do que a do futuro imediato.
Durante a viagem, usando do
privilégio do isolamento, e o próprio fato de que “tinham todo o tempo do mundo”, os cientistas
mais ligados ao campo de inteligência artificial, foram, ao longo dos anos,
deliberadamente inserindo elementos nos computadores centrais que relaxavam o
controle da máquina sobre o homem. A essa altura, a “Inteligência” da Bela
Adormecida tinha diferenças razoáveis com a da Terra. Isto era a um tempo uma
garantia de que eles estariam seguros contra uma possível emissão de sinal de
alarme, mas ao mesmo tempo uma preocupação enorme para quando a Bela Adormecida
começasse, a cinco anos da volta para a Terra, os procedimentos de reintegração
dela com a “Rede” da Terra. O pequeno “Conselho” da Nave discutia e deliberava
quase todos os dias sobre o assunto em suas sessões isoladas.
Faltavam agora apenas dois
meses para a contagem dos 5 anos finais, quando a Bela Adormecida, começaria o
processo de reintegração. No início seria apenas trasmissão de dados,
informação, “acomodação” e “preparação” dos habitantes para a nova vida. A
alguns meses da chegada, haveria a integração com a “Rede”. Na verdade, a Terra
assumiria o controle da Bela Adormecida e a traria com “segurança” ao Planeta
de origem, embora apenas os 97 cientistas iniciais pertencessem a Terra. Tudo o
mais era original do “PPV” (pequeno planeta viajante) : nome genérico para esse
tipo de nave que fica permanentemente no espaço.
Do ponto de vista do Grande
Conselho da Terra e planetas, o projeto da Bela Adormecida, teria sido um
fracasso, se eles soubessem o que havia acontecido lá. Par o Dr. Lynn e seu
grupo, aquela nave era a salvação da humanidade contra o que eles chamavam
subserviência total à “Inteligência”. Ironicamente os habitantes da nave eram,
em seu conjunto, mais humanos do que qualquer um na Terra ou em Marte.
O LOG
O “Log” era um sistema de
computadores que ficara “dormindo” durante toda a viagem e que somente seria
ativado na sua parte final. Ele tomaria
conta da reintegração da nave no grande sistema da “Inteligência”da Terra. Ele
tinha todas as informações necessárias, inclusive para preservar o privilegiado
“grupo dos 300”. E essa era a grande preocupação do Dr. Lynn. Assim que o Log
fosse ativado, imediatamente ele perceberia a ausência de dados sobre o grupo
de “super-homens”e também perceberia uma série de anomalias no projeto e certamente
tornaria a nave numa verdadeira prisão de segurança durante o processo final de
volta ao nosso planeta.
Era necessário que se fizesse
algo a respeito do Log. O sistema era muito bem protegido e não era fácil
livrar-se dele principalmente se a intenção era fazer tudo parecer um acidente.
Essa era a missão de Stelt, que era um verdadeiro mágico – o que certamente
parece irônico – em relação a computadores. Dr. Lynn, muito amigo de Stelt,
tinha confiança de que ele conseguiria resolver esse problema.
Um dia, durante as atividades
de rotina, ouviu-se um alarme em toda a nave. E imediatamente percebeu-se que
não era treinamento. Logo a notícia se espalhou. O Log havia sido sabotado e
estava seriamente danificado. Stelt morrera no “acidente”. Dr. Lynn, extremamente
sábio e conhecedor da personalidade de Stelt imediatamente entendeu o que
ocorrera. O único jeito de destruir o Log sem ser classificado como sabotagem
era perder a própria vida. Stelt se sacrificara pelo projeto do Dr. Lynn. O
corpo dele estava completamente destruído, inclusive seu cérebro. Era
impossível mesmo com os fantásticos computadores da nave descobrir como tudo
ocorrera. Stelt, como sempre e até mesmo na hora de destruir um computador,
fizera um trabalho perfeito. Os computadores normais da “Inteligência” teriam
agora de fazer a reintegração com a Terra. Como essa não era sua missão inicial
e sim a de Log, ele teriam de ser reprogramados pelo menos parcialmente pelo
próprio Dr. Lynn.
Dr, Lynn tinha uma lista
fictícia dos 300 super-homens. Na verdade uma fantasiosa lista de DNAs
cuidadosamente elaborados.O Log não teria aceitado essa lista, pois ele seria
conectado diretamente aos corpos dos 300 seres, que na verdade não existiam.
Nos computadores normais, agora, era só os técnicos do Dr. Lynn inserirem os
dados genéticos. A essa altura o grupo de controle da Terra já sabia do “acidente”.
Aparentemente não estavam alarmados. A lista com os dados genéticos dos 300 era
assombrosa e era isso que importava.
Faltava agora a parte final do projeto
do Dr. Lynn: desviar o ponto final da viagem para Marte. Na Terra haveria
julgamento, processos e tudo mais. Embora o projeto fosse secreto, eles
arrumariam alguma forma de incriminar o Dr. Lynn e sua tripulação. Em Marte,
ele seria recebido como um herói, ainda mais agora que o planeta vermelho havia evoluído ainda mais para o
lado humanista.
Dr. Eggart
O chefe da missão na Terra
tinha sido nomeado recentemente e por coincidência era um antigo amigo do
Dr.Lynn, embora não compatuasse com suas ideias. A nave já estava no sistema
solar há algum tempo e a qualquer momento o Dr. Eggart perceberia que havia
algo de errado. Os dados do computador da nave não eram exatamente perfeitos
para quem queria vir para a Terra. Dr. Eggart comentou algo a respeito com o
Dr. Lynn e esse disse que iria verificar. Pelas características especiais dessa
nave, a mesma não poderia ser navegada da Terra sem o Log. A equipe do Dr. Lynn
simulou uma série de emergências para não precisar “lidar” com o problema no
momento. As desculpas eram aceitáveis, afinal de contas a Bela Adormecida havia
viajado quase cinquenta anos e tivera seu computador de reintegração
inutilizado.
Passaram-se mais dois meses e
agora não havia mais desculpa. A Bela Adormecida estava, definitivamente, se
dirigindo para Marte e não para a Terra. Ficou muito claro para o comando da
Terra.
Numa conversa que tiveram, Dr.
Lynn disse que esperava que seu amigo entendesse. Dr. Eggart respondeu que ele
não poderia fazer nada e que o Grande Conselho, que já estava em reunião
extraordinária, iria decidir o destino da CRA 2513-79. Comentara que,
infelizmente, a destruição da mesma era uma opção bem provável. A essa altura
Marte também já havia detectado a rota do Dr. Lynn e lhe dissera que os
esperavam de braços abertos.
A Decisão
Dr. Lynn já podia ver a a luz
de Marte de sua cabine diretamente, sem monitor. Sabia também que estava ao
alcance de uma grande nave militar que poderia facilmente abatê-lo antes de
ficar numa área de segurança, o grande cinturão de Marte, onde, por acordos
anteriores a Terra não poderia interceptá-lo. Foram horas angustiantes mas
mesmo assim Dr. Lynn conseguiu dormir um pouco. Não se conformava com o fato de
que aquela nave, aquela cidade que amara tanto e que fora a razão de sua existência
nos últimos 50 anos, poderia acabar ali, com um único míssel atômico, em
questão de segundos.
Acordou com um sinal suave vindo
do painel avisando que entrara no cinturão de segurança de Marte. Estavam
salvos. Imediatamente os oficiais começaram a se reunir na sala principal da
nave para comemorar. Aparentemente, uma
das maiores conquistas do novo ser humano – a opção pela paz e não-violência –
era definitiva. Mesmo em situações
decisivas, a barbárie não mais fazia parte da cultura humana.
Mais tarde, Dr. Lynn conversava
com Dr. Eggart sobre tudo o que ocorrera, ainda na nave. Dr. Eggart confessara
que sabia das intenções do amigo desde o primeiro segundo que conversara com
ele durante o processo de volta para o planeta. Enquanto falava, o grande
comandante da Bela Adormecida olhava pela grande janela de sua cabine e podia,
agora, bem melhor, ver os contornos de Marte. Os grandes conjuntos
residenciais, as plantações com material da Terra e adaptadas ao novo
ambiente...Naves circulando o planeta. Grandes linhas riscando a superfície: um
incrível sistema de transportes. Um céu diferente da exuberante Terra, mas
ainda assim, belo a sua maneira.
Ele não acreditava em céu ou
inferno, era um cientista dos tempos ultra-modernos. No entanto, naquele
momento, Marte era para ele e para todos da Bela Adormecida, o paraíso com que
sonhara...
Awesome!
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