Saturday, January 17, 2015

Hendrix vai para o laboratório



Hendrix vai para o laboratório

Hendrix estava na fila já há algum tempo. Para isso ele não ligava. O que o preocupava era o porquê daquilo tudo. Metódico que era, não gostou nada quando o afastaram de seus afazeres diários para ficar ali, esperando. Os outros pareciam não ligar muito. Pelo contrário, pareciam estar dormindo ou inconscientes. Nem mesmo quando o chão rolante se movia um pouco, eles mostravam qualquer reação.
Duas horas, doze minutos e trinta e oito segundos. Essa era a quantidade de tempo que já havia perdido. Sabia que seu cérebro não estava no máximo de sua capacidade e seu corpo estava indolente naquele momento. Mas não tinha sido por causa disso que eles o separaram. Só começou a sentir essas coisas depois que estava naquela esteira, esperando. Apesar de sua lentidão mental, agora podia reconhecer o ambiente em que estava. Aquele espaço foi o primeiro do qual teve consciência quando veio a este mundo. Tinha certeza. Aquilo não era uma coisa que se esquecesse. A sensação tinha sido esplêndida e tinha ficado para sempre em sua mente. Mais do que o lugar, era a sensação de estar vivo. Mais ainda, a sensação de saber que estava vivo. Ao mesmo tempo em que isso lhe trouxe boas memórias, trouxe consigo também, algumas preocupações. Por quê? Por que todos eles ali, reunidos, esperando? Ele sabia que os outros eram muito parecidos com ele. A única diferença era que ele estava “acordado”.
Na verdade, a fila tinha andado uma distância razoável. Ele sabia que a sua ansiedade é que lhe dava a impressão de demora demasiada. O ambiente era enorme e ele tinha acabado de parar em frente a uma placa que dizia “Recuperação”. Teria ele sido vítima de um acidente e nem tinha percebido? Mas e os outros? Todos eles, acidentados? Algo ali não estava certo, não estava bem. Desfilou em sua mente, todos os significados da palavra “recuperação”. Depois raciocinou que o que estava pensando era irrelevante. O pessoal da administração era todo cheio de eufemismos. Sempre davam nomes bonitos para coisas terríveis. Neste momento teve um calafrio. Mas não foi por causa de sua linha de pensamento, não. Ele tinha conseguido ouvir um diálogo, à distância. Seus ouvidos eram apuradíssimos, apesar de seu estado mental.
-O Hendrix?
-Qual o problema?
-Alguém esqueceu de desligar!
-Não se pode confiar em ninguém. Mais alguém na mesma situação?
-Não que eu saiba. Você cuida disso?
-Sem problemas.
Hendrix era extremamente inteligente e, por isso, imediatamente percebeu o que estava acontecendo. E isso, apesar de seu cansaço mental. Aliás, ele agora entendia isso também. Não era cansaço. Parte de seu sistema estava desligado. Os outros haviam sido desconectados completamente e ele, apenas parcialmente. Isto explicava o inquietante diálogo. Juntou esse raciocínio com outros, incluindo a placa “Recuperação” e entendeu tudo. Todos eles estavam sendo colocados fora de atividade. A pergunta era: para sempre ou temporariamente? Impossível. Eles eram a última geração de robôs, a estrutura principal feita de alumínio extra especial e de titânio. O que poderia haver de errado com eles? Foi a última coisa que ele pensou. As últimas palavras que ouviu do sistema automático foram: “Hendrix 2765, série B”, iniciar reciclagem.
Os dois encarregados, como se estivessem corroborando as ideias de Hendrix, falavam:
-Conseguiu desligar o Hendrix?
-Não deu tempo. O coitado foi para a reciclagem assim mesmo.
-É, eu sei. Esses robôs pensam, sabem o que está acontecendo. Não é como antigamente.
-Aliás, você sabe por que estão encerrando este projeto, que foi tão elogiado?
-A conversa que eu ouvi foi que os dirigentes ficaram com medo depois de alguns incidentes. Perceberam que a série do Hendrix era inteligente demais e, principalmente, sensível demais. Até mais que muitos humanos.
-Entendo.
E o diálogo, então, foi encoberto pela voz do sistema que anunciava:

- Hendrix 2765, recuperação encerrada. Material sendo devolvido para secção 312 para exame.

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Estranhas Histórias
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