Hendrix
estava na fila já há algum tempo. Para isso ele não ligava. O que o preocupava
era o porquê daquilo tudo. Metódico que era, não gostou nada quando o afastaram
de seus afazeres diários para ficar ali, esperando. Os outros pareciam não
ligar muito. Pelo contrário, pareciam estar dormindo ou inconscientes. Nem
mesmo quando o chão rolante se movia um pouco, eles mostravam qualquer reação.
Duas
horas, doze minutos e trinta e oito segundos. Essa era a quantidade de tempo
que já havia perdido. Sabia que seu cérebro não estava no máximo de sua
capacidade e seu corpo estava indolente naquele momento. Mas não tinha sido por
causa disso que eles o separaram. Só começou a sentir essas coisas depois que
estava naquela esteira, esperando. Apesar de sua lentidão mental, agora podia
reconhecer o ambiente em que estava. Aquele espaço foi o primeiro do qual teve
consciência quando veio a este mundo. Tinha certeza. Aquilo não era uma coisa
que se esquecesse. A sensação tinha sido esplêndida e tinha ficado para sempre
em sua mente. Mais do que o lugar, era a sensação de estar vivo. Mais ainda, a
sensação de saber que estava vivo. Ao mesmo tempo em que isso lhe trouxe boas
memórias, trouxe consigo também, algumas preocupações. Por quê? Por que todos
eles ali, reunidos, esperando? Ele sabia que os outros eram muito parecidos com
ele. A única diferença era que ele estava “acordado”.
Na
verdade, a fila tinha andado uma distância razoável. Ele sabia que a sua
ansiedade é que lhe dava a impressão de demora demasiada. O ambiente era enorme
e ele tinha acabado de parar em frente a uma placa que dizia “Recuperação”.
Teria ele sido vítima de um acidente e nem tinha percebido? Mas e os outros?
Todos eles, acidentados? Algo ali não estava certo, não estava bem. Desfilou em
sua mente, todos os significados da palavra “recuperação”. Depois raciocinou
que o que estava pensando era irrelevante. O pessoal da administração era todo
cheio de eufemismos. Sempre davam nomes bonitos para coisas terríveis. Neste
momento teve um calafrio. Mas não foi por causa de sua linha de pensamento,
não. Ele tinha conseguido ouvir um diálogo, à distância. Seus ouvidos eram
apuradíssimos, apesar de seu estado mental.
-O
Hendrix?
-Qual
o problema?
-Alguém
esqueceu de desligar!
-Não
se pode confiar em ninguém. Mais alguém na mesma situação?
-Não
que eu saiba. Você cuida disso?
-Sem
problemas.
Hendrix
era extremamente inteligente e, por isso, imediatamente percebeu o que estava
acontecendo. E isso, apesar de seu cansaço mental. Aliás, ele agora entendia
isso também. Não era cansaço. Parte de seu sistema estava desligado. Os outros
haviam sido desconectados completamente e ele, apenas parcialmente. Isto explicava
o inquietante diálogo. Juntou esse raciocínio com outros, incluindo a placa “Recuperação”
e entendeu tudo. Todos eles estavam sendo colocados fora de atividade. A
pergunta era: para sempre ou temporariamente? Impossível. Eles eram a última
geração de robôs, a estrutura principal feita de alumínio extra especial e de
titânio. O que poderia haver de errado com eles? Foi a última coisa que ele pensou.
As últimas palavras que ouviu do sistema automático foram: “Hendrix 2765, série
B”, iniciar reciclagem.
Os
dois encarregados, como se estivessem corroborando as ideias de Hendrix,
falavam:
-Conseguiu
desligar o Hendrix?
-Não
deu tempo. O coitado foi para a reciclagem assim mesmo.
-É,
eu sei. Esses robôs pensam, sabem o que está acontecendo. Não é como
antigamente.
-Aliás,
você sabe por que estão encerrando este projeto, que foi tão elogiado?
-A
conversa que eu ouvi foi que os dirigentes ficaram com medo depois de alguns
incidentes. Perceberam que a série do Hendrix era inteligente demais e,
principalmente, sensível demais. Até mais que muitos humanos.
-Entendo.
E
o diálogo, então, foi encoberto pela voz do sistema que anunciava:
-
Hendrix 2765, recuperação encerrada. Material sendo devolvido para secção 312
para exame.
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Estranhas Histórias
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