História
Real
O
filme “História Real” (The Straight Story) tem tudo para ser um filme chato. Um
homem com certa idade viajando entre dois estados americanos com um tratorzinho
cortador de grama? Grande engano. É verdade que não tem cenas dignas de
Hollywood, mas tem toques humanos poucas vezes vistos no cinema. Alvin Straight,
o personagem principal, vive numa região rural de Iowa, quando recebe um
telefonema comunicando que seu irmão Lyle tinha sofrido um derrame. Fazia muito
tempo que ele não o via e, da última vez, houve motivo para certa mágoa. Achou
que era hora de acertar as coisas da alma, afinal era seu único irmão. Com uma
certa idade, sem dinheiro, e sem poder dirigir um carro por causa da visão, toma
uma decisão arriscada. Pega seu velho cortador de grama e inicia aquela viagem
de mais de 240 milhas até outro estado. No caminho, passa por histórias de
incrível lirismo, através de pessoas extraordinárias. Entre outras coisas, tem
a tristeza de relembrar seus tempos como soldado na guerra.
Nada,
porém, se compara à cena final quando, finalmente, chega a seu destino. Numa
velha e isolada casa, no meio do mato, está seu irmão. Ele chama e Lyle demora
para responder, deixando-o preocupado. Finalmente sai, convida o irmão para
sentar e, olhando para o cortador de grama, perguntou se ele tinha andado tudo
aquilo, naquela coisa, só para vê-lo. E é praticamente só isso que eles falam.
Não precisam de desculpas, de explicações, de nada. Sentam-se na varanda e
olham para as estrelas. Em silêncio, conversam com elas, como quando eram
meninos. Quem precisa de palavras quando se sabe conversar com os astros
celestes?
De
uma maneira mágica, só com imagens, olhares, atitudes e expressões, David Lynch
(diretor) criou um momento único na história do cinema. Aquela fusão, aquela
comunhão de espíritos, o perdão mútuo, aquele silêncio que diz tudo, até hoje
me emociona. E, então, eu me lembro do Olavo Bilac:
“Ora
(direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste
o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que,
para ouvi-las, muitas vezes desperto
E
abro as janelas, pálido de espanto...”
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Essa vida da gente
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