Você
se lembra da bola de capotão?
Quando
eu era criança acho que a palavra mesada nem existia. Para comprar o que a
gente queria, tinha de se virar. Ainda bem que não havia muita ambição. Os
nossos sonhos eram simples. Umas figurinhas, bolas de gude, papel para balão e
papagaio e – isso era importante – doces da venda. Para quem era bom em “bater
bafo”, era fácil colecionar as figurinhas sem precisar comprar aquelas balas em
que elas vinham enroladas. E quem era bom na pontaria, juntar um monte de bolinhas
de gude era moleza, mas para conseguir material para fazer balão e comprar
doce, não havia outro jeito. Era necessário trabalho duro. Um deles era
costurar bola de capotão. Algum adulto pegava os gomos de couro na fábrica e
distribuía para a molecada. A gente colocava duas do lado avesso, segurava com
os joelhos, ensebava bem o barbante e, com duas agulhas enormes passando em
direção contrária pelo mesmo buraco, ia montando a bichinha. O duro mesmo era
no final, os dois últimos gomos. Num deles estava a câmara de borracha. A gente
tinha de desvirar tudo, deixar a válvula do lado de dentro e dar os últimos
pontos. Trabalho de artista.
Eu
tinha até me esquecido disso tudo. O dinheiro era uma miséria. Mas as
figurinhas, os doces e tudo mais, eram também uma miséria.
Tempo
bom. Não volta mais.
ooooooOOO0OOOooooo
Essa vida da gente
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