Carta
para um amigo que foi para a Eternidade
Prezado
amigo:
Escrevo-te
essas mal traçadas linhas para te contar as novidades. Desde que partiste, tens
de acreditar, muita coisa aconteceu. Precisavas ver os jovens. Ficarias
assustado. Usam brincos em todo lugar. Os penteados, então... Estão sempre
olhando para baixo e mexendo com os dedos. Dizem que conversam com os amigos
através daquele aparelhinho, mesmo quando estão lado a lado. Mas não penses que
são gente má. Pelo contrário. Outra coisa que tu não irias acreditar são uns
aparelhos que existem agora. Tu te lembras daquele aparelho de televisão que
nós víamos nas vitrines de São Paulo? E que tu estavas juntando dinheiro para
comprar um para o Natal e fazer uma surpresa para a Dona Mariana? Agora existem
daqueles de todo tamanho. De todo tamanho mesmo. E as pessoas fazem tudo ali
mesmo, na frente dele. Conversam, trocam ideias, leem notícias, pagam contas, existe
gente que até passa receita de bolo. A Dona Mariana, que Deus a tenha, já
pensou o que ela iria achar, ela que sabia cozinhar tão bem? Retratos, então!
Passam de um para outro, tu gostarias de ver. Tudo colorido, bonito. É verdade
que existem alguns meio estranhos, acho que tu não irias apreciar. Agora também
todo mundo faz filminhos em casa, na rua. E, esta é demais, passam as fitinhas
de cinema feitas ali na hora, de um lugar para outro. Um amigo nosso, o
Arlindo, lembra? O filho dele passou uma para a a namorada que está lá no
Japão. Não sei como é, deve passar pelo meio da Terra. Não sei como o filme não
frita todo no meio daquele fogaréu. Tem um monte de coisas que eu não sei mais
como é. E daí,as pessoas ficam escrevendo uma para as outras que “curtiram”
aquilo que o outro fez. Gozado, até agora, para mim “curtir” era preparar a
pele,secar, etc. Tu te lembras que meu pai “curtia” peles de coelhos? Eu, às
vezes, tinha dó dos coitadinhos, mas eu sabia que meu pai precisava daquilo para sustentar a família. O
pessoal fala muito em “compartilhar” também. Acho bonito, mas desconfio que não
é bem o que estou pensando.
As
guerras, meu amigo, ainda existem. O pior é que, agora, vale tudo. Jogam bombas até em
crianças nos hospitais. Eu seu que tu não vais acreditar, talvez seja até
melhor assim. Outro dia, no meio da briga, até derrubaram um avião, tudo com
gente inocente, crianças, família. Estou até curioso para saber o que o Nosso
Senhor está pensando a respeito. Talvez ele nem tenha comentado contigo para
não te assustar. Os briguentos são sempre os mesmos, um ou outro só, que é
novidade. Tenho outras coisas que queria te contar, mas vou parar por aqui, não
quero te deixar assustado. Não te contei nem metade das barbaridades. Precisavas
ver como está a política. Como disse, melhor ficar calado, não quero perturbar
teu eterno descanso, mesmo porque acho que tu deves estar pensando que é tudo exagero
meu.
Saudosas
lembranças deste teu grande amigo. Descansa em paz. E que eu consiga também.
Mundo
perdido de Deus, julho de 2014.
Teu grande amigo e escritor.
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