Torresmo na Sexta-feira Santa
Sexta-feira
Santa, como diz a palavra, é a mais santa de todas as sextas. Dia de respeito.
Minha mãe, católica daquelas, já avisava desde a segunda da Semana Santa. Nada
de carne, nem nada que se pareça com ela. Era até bom, pois na sexta máxima,
uma linda bacalhoada nos esperava.
Naquela
longínqua sexta – faz muito tempo, eu era muito pequeno – não sei o que deu no
meu pai. Ele resolveu desafiar uma coisa tão básica. Decidiu, logo de manhã,
preparar uns torresmos para comer. Minha mãe não podia acreditar quando entrou
na cozinha, seu reino e sua propriedade, e sentiu aquele cheiro no ar. Ela não
brigava, só ficava sentida, mas naquele dia, ela ameaçou uma discussão. Ela
saiu e foi chorar no quarto. Posso dizer que eu, nunca, durante minha curta
existência até então, a tinha visto tão magoada assim.
Por que
meu pai fez isto, eu não sei. Muito trabalho, queria ter um gostinho diferente?
Haveria se esquecido da proibição?Achava ele, talvez, que o courinho do porco
estava longe de ser uma carne vermelha? Às vezes, a gente faz coisas que nem a
gente mesmo consegue entender.
Eu
estava tão preocupado com minha mãe, que nem sei o que aconteceu. Se meu pai se
arrependeu e deu um fim nos torresmos, se os comeu rápidamente para não haver
mais confusão, eu não sei. Eu sei que nunca vi minha mãe tão triste assim.
Acho
que é por isso que, até hoje, tenho até medo de passar perto de torresmo na
Semana Santa. Devo confessar, entretanto, que agora tenho outros motivos também.
Com a idade, não dá para ficar abusando do colesterol...
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