A
diferença que faz um celular
Eu
sei que você está pensando em todas aquelas situações em que um celular faz
toda a diferença do mundo. Por exemplo, você perdido numa mata, chamando por
socorro. Informações importantíssimas que você procurou na Internet e que o
ajudaram a resolver um “problemão” num local distante. Mas a história que
tenho para contar é bem diferente e, infelizmente, muito mais trágica.
O
Deodato saiu de casa numa pressa danada.
Tinha uma reunião onde certamente iria fechar um negócio que sustentaria sua
família por pelo menos um ano. Hoje em dia, como sempre, isto é vital. E
família é família, certo? Temos de prover.
Lá
está ele, dez minutos após a saída, pronto para pegar a via expressa, quando
decide fazer uma ligação. Onde está o
telefone? Não é que nunca ele está no lugar?
Não estava onde deveria estar, nem nos outros lugares onde costuma ir
parar, como por exemplo, embaixo do banco. Tinha esquecido a preciosa peça em
casa. Fez um retorno proibido e “voou” para casa. Algumas ruas e duas avenidas
mais tarde, lá estava ele perto de sua residência . A sua era a penúltima da
direita. Foi aí que ele viu um fulano de boné pulando o muro. Ficou desesperado
e acelerou. A Teresa estava sozinha.
Largou
o carro com a porta aberta junto à calçada e foi para os fundos. Não havia
sinal de arrombamento. Estaria ainda no quintal o desgraçado do ladrão? Deu uma
volta e, quando passou pela porta da
frente, ouviu alguns gritos surdos da Teresa. Tinha de agir com cuidado. Esses
assaltantes matam por quase nada. Ele corria o risco de causar a morte da
esposa ao invés de salvá-la. Abriu a porta com cuidado. Mais uma vez, os gritos
abafados. Pegou uma faca na cozinha e foi para o quarto. Quando entrou, viu o
fulano, agora sem boné, segurando as
duas mãos da Teresa enquanto esta se debatia. O criminoso estava tão ocupado
que nem percebeu quando o Deodato enfiou a longa faca de cozinha nas suas costas.
Deu um berro, o sangue jorrou, e ele caiu morto em cima do corpo da esposa do
Deodato.
Era
difícil definir a cara da Teresa. Espanto, susto, surpresa, vergonha admiração.
Uma coisa era certa: não esperava o marido por lá. Tinha provavelmente salvado
sua vida.
Chamaram
a polícia. Alguns dias depois o procurador decidiu assim mesmo processar o
coitado do Deodato. Disse que o “assassinado” não tinha antecedentes, muito
pelo contrário, era um bom cidadão e, no caso, uma vítima. O pobre marido vai
preso e na terceira visita o seu advogado lhe explica a situação. Que sentia
muito, que seu caso era difícil. Talvez ele não soubesse, mas a Teresa estava
tendo um caso com o morto, que na verdade não era um ladrão, a não ser de
corações, na falta de uma parte mais apropriada do corpo para designar sua
especialidade. Até a mulher do amante já sabia. Agora o “crime” tinha motivação:
ciúmes, vingança. Um marido raivoso tinha apanhado a mulher infiel no “flagra”
e feito justiça com as próprias mãos, melhor dizendo, com a própria faca. Havia
premeditação e tudo mais. A tese de legítima defesa da mulher e da honra da
mesma (e da sua) não iria “colar”. Certamente não havia "honra" a ser defendida.
A
Teresa veio visitá-lo também e confessou. Disse que, na verdade, eles já tinham
terminado e que o amante estava se mudando para outro estado. Ela estava
arrependida, tinha resolvido nunca mais traí-lo, daqui para frente iria levar
uma vida de anjo. O amante tinha vindo até a casa apenas para se despedir, mas
daí, uma última vontade da carne...
Foi
só então que o Deodato se deu conta de que os “gritos abafados” da mulher, na
verdade, eram gemidos de prazer. Provavelmente estavam brincando de “bandido e
vítima” para dar um sabor mais especial no ato hediodo que estavam praticando.
Não
bastasse a situação de estar preso e a humilhação de estar sendo traído, seu
advogado veio com mais uma. Ele tinha de provar que não sabia que estava sendo
enganado e que julgou ser um facínora que estava ali. Aí se justificaria a tese de legítima defesa,
que, realmente era o que tinha acontecido. Nem sequer a chance de manter as
aparências de alguém que havia lavado a honra com sangue estavam lhe dando. Situação
cruel como essa é difícil de se ver por aí... Ou era um assassino que ia pegar
cadeia ou um idiota de um marido traído. Tinha de escolher.
Não
é difícil imaginar qual foi a decisão do Deodato. Depois de tudo isso, ainda
ficar na cadeia? O negócio era, como se
dizia antigamente, “levantar, sacudir a
poeira e dar a volta por cima”... E foi o que ele fez.
Se
a Teresa estivesse falando a verdade e o amante realmente estivesse indo embora
e se de fato ela tivesse decidido “virar um anjo”, aquele celular fez uma
diferença e tanto. Se o Deodato não tivesse esquecido o dito cujo ou tivesse
resolvido não voltar para pegá-lo, quem sabe não estivesse todo mundo feliz? O amante
lá longe, a Teresa aqui perto com o maridinho, ela uma esposa feliz e ele um
marido feliz. Nada de promotor, nada de delegado, nada de humilhação. O que os
olhos não veem, o coração não sente. Mas essa mania maldita de não largar o celular... Viram
só no que deu?
Claro,
sempre esteve aberta também a possibilidade de a Teresa, com celular ou sem,
ter sido uma esposa honesta e confiável. Essas coisas, porém, nem sempre acontecem
do jeito que prevemos ou queremos. Este departamento do ser humano é
completamente fora de controle. De qualquer jeito, depois que apareceu em
nossas vidas, o celular tem feito muita diferença. De um jeito ou de outro...
Por falar em "ser humano", estranhamente, o marido, livre, perdoou a esposa e eles vivem felizes. Toda vez que não consegue achar o celular, entretanto, Deodato sente uma estranha sensação no estômago. Claro, é apenas uma reação psicológica.
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Por falar em "ser humano", estranhamente, o marido, livre, perdoou a esposa e eles vivem felizes. Toda vez que não consegue achar o celular, entretanto, Deodato sente uma estranha sensação no estômago. Claro, é apenas uma reação psicológica.
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À procura de Lucas
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