Tuesday, September 27, 2016

A diferença que faz um celular

A diferença que faz um celular



Eu sei que você está pensando em todas aquelas situações em que um celular faz toda a diferença do mundo. Por exemplo, você perdido numa mata, chamando por socorro. Informações importantíssimas que você procurou na Internet e que o ajudaram a resolver um “problemão” num local distante. Mas a história que tenho para contar é bem diferente e, infelizmente, muito mais trágica.
O Deodato saiu de casa  numa pressa danada. Tinha uma reunião onde certamente iria fechar um negócio que sustentaria sua família por pelo menos um ano. Hoje em dia, como sempre, isto é vital. E família é família, certo? Temos de prover.
Lá está ele, dez minutos após a saída, pronto para pegar a via expressa, quando decide fazer  uma ligação. Onde está o telefone? Não é que nunca ele está no lugar?  Não estava onde deveria estar, nem nos outros lugares onde costuma ir parar, como por exemplo, embaixo do banco. Tinha esquecido a preciosa peça em casa. Fez um retorno proibido e “voou” para casa. Algumas ruas e duas avenidas mais tarde, lá estava ele perto de sua residência . A sua era a penúltima da direita. Foi aí que ele viu um fulano de boné pulando o muro. Ficou desesperado e acelerou. A Teresa estava sozinha.
Largou o carro com a porta aberta junto à calçada e foi para os fundos. Não havia sinal de arrombamento. Estaria ainda no quintal o desgraçado do ladrão? Deu uma volta e, quando  passou pela porta da frente, ouviu alguns gritos surdos da Teresa. Tinha de agir com cuidado. Esses assaltantes matam por quase nada. Ele corria o risco de causar a morte da esposa ao invés de salvá-la. Abriu a porta com cuidado. Mais uma vez, os gritos abafados. Pegou uma faca na cozinha e foi para o quarto. Quando entrou, viu o fulano, agora sem  boné, segurando as duas mãos da Teresa enquanto esta se debatia. O criminoso estava tão ocupado que nem percebeu quando o Deodato enfiou a longa faca de cozinha nas suas costas. Deu um berro, o sangue jorrou, e ele caiu morto em cima do corpo da esposa do Deodato.
Era difícil definir a cara da Teresa. Espanto, susto, surpresa, vergonha admiração. Uma coisa era certa: não esperava o marido por lá. Tinha provavelmente salvado sua vida.
Chamaram a polícia. Alguns dias depois o procurador decidiu assim mesmo processar o coitado do Deodato. Disse que o “assassinado” não tinha antecedentes, muito pelo contrário, era um bom cidadão e, no caso, uma vítima. O pobre marido vai preso e na terceira visita o seu advogado lhe explica a situação. Que sentia muito, que seu caso era difícil. Talvez ele não soubesse, mas a Teresa estava tendo um caso com o morto, que na verdade não era um ladrão, a não ser de corações, na falta de uma parte mais apropriada do corpo para designar sua especialidade. Até a mulher do amante já sabia. Agora o “crime” tinha motivação: ciúmes, vingança. Um marido raivoso tinha apanhado a mulher infiel no “flagra” e feito justiça com as próprias mãos, melhor dizendo, com a própria faca. Havia premeditação e tudo mais. A tese de legítima defesa da mulher e da honra da mesma (e da sua) não iria “colar”. Certamente não havia "honra" a ser defendida.
A Teresa veio visitá-lo também e confessou. Disse que, na verdade, eles já tinham terminado e que o amante estava se mudando para outro estado. Ela estava arrependida, tinha resolvido nunca mais traí-lo, daqui para frente iria levar uma vida de anjo. O amante tinha vindo até a casa apenas para se despedir, mas daí, uma última vontade da carne...
Foi só então que o Deodato se deu conta de que os “gritos abafados” da mulher, na verdade, eram gemidos de prazer. Provavelmente estavam brincando de “bandido e vítima” para dar um sabor mais especial no ato hediodo que estavam praticando.
Não bastasse a situação de estar preso e a humilhação de estar sendo traído, seu advogado veio com mais uma. Ele tinha de provar que não sabia que estava sendo enganado e que julgou ser um facínora que estava ali.  Aí se justificaria a tese de legítima defesa, que, realmente era o que tinha acontecido. Nem sequer a chance de manter as aparências de alguém que havia lavado a honra com sangue estavam lhe dando. Situação cruel como essa é difícil de se ver por aí... Ou era um assassino que ia pegar cadeia ou um idiota de um marido traído. Tinha de escolher.
Não é difícil imaginar qual foi a decisão do Deodato. Depois de tudo isso, ainda ficar na cadeia?  O negócio era, como se dizia antigamente,  “levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima”... E foi o que ele fez.
Se a Teresa estivesse falando a verdade e o amante realmente estivesse indo embora e se de fato ela tivesse decidido “virar um anjo”, aquele celular fez uma diferença e tanto. Se o Deodato não tivesse esquecido o dito cujo ou tivesse resolvido não voltar para pegá-lo, quem sabe não estivesse todo mundo feliz? O amante lá longe, a Teresa aqui perto com o maridinho, ela uma esposa feliz e ele um marido feliz. Nada de promotor, nada de delegado, nada de humilhação. O que os olhos não veem, o coração não sente. Mas essa mania maldita de não largar o celular... Viram só no que deu?
Claro, sempre esteve aberta também a possibilidade de a Teresa, com celular ou sem, ter sido uma esposa honesta e confiável. Essas coisas, porém, nem sempre acontecem do jeito que prevemos ou queremos. Este departamento do ser humano é completamente fora de controle. De qualquer jeito, depois que apareceu em nossas vidas, o celular tem feito muita diferença. De um jeito ou de outro...
Por falar em "ser humano", estranhamente, o marido, livre, perdoou a esposa e eles vivem felizes. Toda vez que não consegue achar o celular, entretanto, Deodato sente uma estranha sensação no estômago. Claro, é apenas uma reação psicológica.

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À procura de Lucas


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