A Hayley Mills foi ao cinema de
Perus
Provavelmente
você nunca ouviu falar da Hayley Mills. Eu, entretanto, a conheço muito bem, e ela fez parte da minha vida. Quem diria,
hein? Também não é assim, vou explicar os detalhes. Ela é uma atriz inglesa,
ainda viva e que nasceu em 1946. Começou muito cedo a sua carreira de atriz,
fazendo filmes como “Pollyanna”, “The Parent Trap” e outros. Olhos azuis,
cabelos loiros, um rosto divinamente suave.
Eu
estava ainda no seminário, por volta do ano 1966, e tinha acabado de voltar das
raras e curtas férias que tínhamos. Foi durante esse breve período em casa que
me deparei com uma revista e comecei a folheá-la. Manchete, Cruzeiro, Fatos e
Fotos? Não sei, não me lembro mais, os anos passaram ligeiros. De repente, lá
no meio, uma página inteira com o rosto dela, sorrindo. Eu me apaixonei
imediatamente. Aquele coração adolescente, solitário, foi presa fácil. Decidi
fazer o que era, sem dúvida, um grande pecado para um seminarista. Arranquei
com cuidado a página, dobrei-a em quatro e a escondi em minhas coisas, não me
lembro onde, mas estava bem guardada. Espero que não tenha sido dentro da
Bíblia, o que seria, naquela época, quase um sacrilégio.
No
seminário, sempre que tinha uma chance, dava uma olhada nela. Não importava
quantas vezes eu a olhava, ela continuava sorrindo o mesmo sorriso, cheio de
luz. E era para mim, com certeza, que ela sorria.
Certamente
não foi só isso, acho que os padres descobriram também que, à noite, às vezes
eu fugia do dormitório e ia até o pomar, chupar mexericas sob a luz do luar. Um
dia, o reitor me chamou bem cedo. Disse o que eu já sabia, que não tinha
“vocação”, que partiria às 9 horas da manhã de volta para Perus, naquele mesmo
dia. Ainda era bem cedo. Certamente tinham avisado para meus pais me pegarem no
Colégio Sagrado Coração de Jesus, em São Paulo. Fiquei preocupado com minha
mãe, o que ela iria pensar. Ao mesmo tempo, senti um alívio enorme, aquilo era
tudo que queria: sair dali, viver. O trem da Sorocabana partiu de São Roque e,
num instante, chegou a São Paulo. Não me lembro se meu pai me disse alguma
coisa ou não, mas certamente não deu bronca. Minha mãe, discretamente, nada
comentou.
Ali
estava eu, naquela selva, a vida fora do seminário. Tímido, morrendo de
vergonha, ficava vermelho só de estar a uns três metros de qualquer garota. Não
sabia o que dizer, como e quando. Não sabia como agir. Ia ser uma dura luta,
essa de me adaptar ao mundo. Dentro de mim, entretanto, havia uma paz e uma
alegria indescritível.
Foi
então que o destino, generoso, me deu mais um presente. Meus irmãos mais
velhos, preocupados com minha timidez, com minha situação, resolveram me levar até o cinema de Perus.
Estava passando um
filme colorido, imaginem só: “As Grandes Aventuras do Capitão Grant”. Mas não
era só isso. Além de astros como Maurice Chevalier, George Sanders, lá estava
ela, a minha querida Hayley Mills. Exuberante, linda, sorridente, inteligente,
graciosa. Posso jurar que ela sorriu para mim o filme todo. Aquilo era um
milagre.
Foi um dos melhores
dias de minha existência. Passei, entre outras coisas, a amar a vida e o cinema. Claro, tudo aquilo era uma ilusão da
adolescência, mas marcou todo meu futuro. Mais do que isso, parafraseando o
grande poeta, “foi infinito enquanto durou...”
No comments:
Post a Comment