Sunday, September 25, 2016

A Hayley Mills foi ao cinema de Perus


A Hayley Mills foi ao cinema de Perus


Provavelmente você nunca ouviu falar da Hayley Mills. Eu, entretanto, a conheço muito bem,  e ela fez parte da minha vida. Quem diria, hein? Também não é assim, vou explicar os detalhes. Ela é uma atriz inglesa, ainda viva e que nasceu em 1946. Começou muito cedo a sua carreira de atriz, fazendo filmes como “Pollyanna”, “The Parent Trap” e outros. Olhos azuis, cabelos loiros, um rosto divinamente suave.
Eu estava ainda no seminário, por volta do ano 1966, e tinha acabado de voltar das raras e curtas férias que tínhamos. Foi durante esse breve período em casa que me deparei com uma revista e comecei a folheá-la. Manchete, Cruzeiro, Fatos e Fotos? Não sei, não me lembro mais, os anos passaram ligeiros. De repente, lá no meio, uma página inteira com o rosto dela, sorrindo. Eu me apaixonei imediatamente. Aquele coração adolescente, solitário, foi presa fácil. Decidi fazer o que era, sem dúvida, um grande pecado para um seminarista. Arranquei com cuidado a página, dobrei-a em quatro e a escondi em minhas coisas, não me lembro onde, mas estava bem guardada. Espero que não tenha sido dentro da Bíblia, o que seria, naquela época, quase um sacrilégio.
No seminário, sempre que tinha uma chance, dava uma olhada nela. Não importava quantas vezes eu a olhava, ela continuava sorrindo o mesmo sorriso, cheio de luz. E era para mim, com certeza, que ela sorria.
Certamente não foi só isso, acho que os padres descobriram também que, à noite, às vezes eu fugia do dormitório e ia até o pomar, chupar mexericas sob a luz do luar. Um dia, o reitor me chamou bem cedo. Disse o que eu já sabia, que não tinha “vocação”, que partiria às 9 horas da manhã de volta para Perus, naquele mesmo dia. Ainda era bem cedo. Certamente tinham avisado para meus pais me pegarem no Colégio Sagrado Coração de Jesus, em São Paulo. Fiquei preocupado com minha mãe, o que ela iria pensar. Ao mesmo tempo, senti um alívio enorme, aquilo era tudo que queria: sair dali, viver. O trem da Sorocabana partiu de São Roque e, num instante, chegou a São Paulo. Não me lembro se meu pai me disse alguma coisa ou não, mas certamente não deu bronca. Minha mãe, discretamente, nada comentou.
Ali estava eu, naquela selva, a vida fora do seminário. Tímido, morrendo de vergonha, ficava vermelho só de estar a uns três metros de qualquer garota. Não sabia o que dizer, como e quando. Não sabia como agir. Ia ser uma dura luta, essa de me adaptar ao mundo. Dentro de mim, entretanto, havia uma paz e uma alegria indescritível.
Foi então que o destino, generoso, me deu mais um presente. Meus irmãos mais velhos, preocupados com minha timidez, com minha situação, resolveram me levar  até o cinema de Perus.
Estava passando um filme colorido, imaginem só: “As Grandes Aventuras do Capitão Grant”. Mas não era só isso. Além de astros como Maurice Chevalier, George Sanders, lá estava ela, a minha querida Hayley Mills. Exuberante, linda, sorridente, inteligente, graciosa. Posso jurar que ela sorriu para mim o filme todo. Aquilo era um milagre.
Foi um dos melhores dias de minha existência. Passei, entre outras coisas, a amar a vida e o  cinema. Claro, tudo aquilo era uma ilusão da adolescência, mas marcou todo meu futuro. Mais do que isso, parafraseando o grande poeta, “foi infinito enquanto durou...”

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