Carroças
sem cavalo e luzes muito brancas
Justina olhava com
tristeza para sua filha. Ela fora sempre assim, tímida, mirrada e parecia
perdida no mundo. Já tinha consultado médicos, feito exames, mas ela não tinha
nenhuma doença conhecida. Justina era viúva e sua grande missão na vida era
cuidar da sua pequena Janete. Na verdade, ela não era tão pequena assim. Tinha
quase 22 anos quando, naquela tarde de primavera do ano de 1998, chegaram na
pequena cidade do interior. A mãe tinha tentado por muitos anos viver em São
Paulo. Achou que vivendo em uma grande cidade, talvez sua filha desabrochasse
para o mundo. Nada. Foi ficando mais e mais triste e recolhida. Certa vez
Justina até recorreu a uma dessas videntes, que falou um monte de bobagens.
Nunca mais voltaram lá. Imagina, aquela mulher doida tinha falado que sua filha estava presa num
passado distante e que a angústia dela era pelo fato de viver em dois mundos.
Justina não acreditava em nada dessas coisas. Só foi lá depois de ter tentado
tudo, até um psicólogo, para sempre ter a mesma resposta: que ela não tinha
nenhuma doença aparente. Lá dentro de seu coração, Justina sabia que algo não
estava bem.
A mudança de uma
metrópole para uma pequena comunidade, pelo menos no começo, estava sendo boa
para as duas. A mãe conseguira um trabalho à noite, o que permitia passar boa
parte do dia com a filha. Janete continuava a mesma em quase tudo, porém
parecia um pouco menos angustiada. A confusão de São Paulo definitivamente não
lhe fazia bem. Até mesmo aqueles sonhos constantes que ela tinha, diminuíram.
Ela sonhava sempre com casas antigas, ruas antigas, ela e a mãe andando à toa
por uma cidade que ela não conhecia. Vestiam roupas estranhas e falavam uma
língua também estranha.
Bem quando as
esperanças de Justina de ter uma vida quase normal estavam aumentando, houve um
acidente doméstico com a Janete. Estava mexendo com uma faca quando fez um
corte profundo e longo na palma da mão esquerda. Ainda bem que a Justina estava
em casa. Pediu ajuda para um vizinho que tinha carro e foram até o pequeno
hospital da cidade. Ela foi atendida imediatamente e colocada numa mesa de
cirurgia. Tinham de suturar aquela mão, pois havia risco de hemorragia. Logo
depois de lhe aplicarem anestesia, porém, ela entrou em coma profundo. A mãe
não sabia que ela era alérgica.
Era outono na Europa e
corria o ano de 1376. Justine já estava
caminhando há mais de 9 horas para chegar até os arredores de Besançon. Viviam
antes em Paris, mas decidiram mudar-se para lá. Jeannette, sua filha, não se
dera bem na cidade grande, estava cada vez mais estranha. A decisão definitiva
veio quando uma de suas vizinhas começou a espalhar para todos da vizinhança
que Jeannette era uma bruxa. Com medo de retaliação, não tiveram outra opção.
Além disso, Jeannette,
que agora já tinha 22 anos, tinha sonhos cada vez mais estranhos. Quando
dormia, via objetos que não existiam, e as pessoas falavam uma língua estranha.
Na semana passada, sonhara três vezes que tinha cortado sua mão e que a levaram
para um lugar grande com luzes fortes. Havia pessoas vestidas de branco, que
mexiam em seu corpo. Falavam coisas estranhas, que ela não entendia. Tinham
costurado sua mão. O mais esquisito de tudo, porém, era que a levaram numa
carroça que andava por si mesma, sem ajuda de animais. Nesses seus sonhos,
havia uma mulher que cuidava dela, que a ajudava.
Aí estava mais uma
razão para Justine vir para os arredores de Besançon. Havia uma mulher que
diziam arrancar esses maus espíritos das pessoas. Era a última esperança de
Justine para sua filha Jeannette.
Estavam cansadas e
famintas. Felizmente foram atendidas quando pediram comida para alguém que
morava na beira da estrada. Sentaram-se à mesa. De repente Jeannette deu grito.
O sangue jorrava de sua mão. Havia se cortado com uma faca. Enrolaram sua mão
em panos, mas ela já estava ficando branca. Desmaiou. Acordou levemente e
começou a falar. Falava em carroças sem cavalos, luzes brancas muito fortes,
homens vestidos de branco que costuravam sua mão. E eles falavam uma língua
muito estranha...
oooooOOOooooo
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