O Rei Ricardo III está aguardando no estacionamento
O mundo mudou. Há poucos reis agora e alguns nem mandam mais, só
são figurativos. Outros são reis de quase nada. Reinados de pequenos domínios,
muitas vezes menores que algumas cidades do interior. Mas antes não era assim.
Rei era algo muito, muito especial. Sem querer abusar das palavras, era real, “majestoso”.
Se fosse da Inglaterra, então, bota majestade aí. Esses monarcas tinham realmente
jeitão para o que faziam. Promoviam guerras, lutavam, mandavam,
executavam, enfim, reinavam. Só agora eu entendo porque minha mãe me falava,
quando pequeno, “para não ficar reinando”. Houve um que até ousou enfrentar o
papa porque ele não autorizou seu divórcio. Não teve dúvida, fez uma outra
religião. Ele mesmo, o Henrique VIII. Havia tanto jeito para ele resolver o
problema sem falar com o pontífice mas ele não quis saber. O rei de Portugal
poderia simplesmente explicar para ele o que era o “jeitinho”, pois, afinal de
contas, foi ele que explicou para nós. Mas rei que é rei, usa sua majestade.
Mas o dito cujo de quem quero falar agora é o Ricardo III. Valente, lutou para
defender sua coroa contra usurpadores. Ficou todo machucado, dizem até que
ficou corcunda. Não deu sorte e acabou perdendo. Aí, você sabe, inventaram um
monte de mentiras a seu respeito, sabe como é quando você é o derrotado... Posso
garantir, entretanto, que ele era um verdadeiro nobre. Mas como você sabe, “rei
morto, rei posto”, acho que é assim... Ele morreu em combate e foi enterrado em
uma igreja. Esqueceram dele pois a nova linha de monarcas não tinha interesse
nenhum em preservar sua memória. Tanto esqueceram, que um dia demoliram a
igreja em que estava enterrado e nem se lembraram de exumar seu corpo. Eu acho
isto um desrespeito, mas como a gente não pode se meter com essa gente, o que
vai se fazer? E lá ficou o Ricardo III, enterrado, sem ninguém saber, debaixo
do antigo piso. Naquela época não havia automóvel, afinal de contas são mais de
500 anos, mas séculos depois, fizeram lá um estacionamento. E é por isso que eu
disse que o rei está aguardando no estacionamento. Claro que ele não está lá
estacionado, está apenas parado, esperando. Quer dizer, estava. Agora,
finalmente o descobriram. Ainda tem as costas tortas, coisa que a morte não
curou. Tem também uns ossos machucados e tudo mais. Isso prova que ele lutou e
foi um herói. Mesmo assim alguém poderia dizer que é tudo fabricação, estão
querendo reviver o rei, que aquilo é simplesmente um cadáver plebeu. Você
sabe que inglês não faz coisa a olho, nem coisa para a gente ver, embora o
contrário seja verdadeiro, e por isso eles fizeram um exame de DNA. Compararam
com um descendente distante e lá estava: comprovado, cientificamente, que o rei
era o rei. Embora estacionado, quero dizer, enterrado, não perdeu a majestade.
Quem diria, hein, Ricardo – desculpe a intimidade – tanto séculos depois. Estão
vendo como as coisas mudam? Eu garanto que se alguém, no seu reinado, ousasse
falar que um dia existiria o DNA e daria para finalmente identificar Vossa
Majestade mesmo sem RG ou passaporte, você seria capaz de condená-lo de heresia e
mandá-lo para a fogueira.
Tudo bem, eu entendo seu ponto de vista. Se alguém me disser que
daqui a 500 anos vai ser possível viajar no tempo, eu também não vou acreditar!
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