Morada das Flores, uma cidade como nenhuma outra
Maurício olhou para o teto e
estranhou, por alguns segundos, o que estava vendo. Aquele não era o lustre de
seu quarto, aquela não era sua cama. Aos poucos, seu cérebro foi se
reajustando. Morada das Flores, interior do estado, casa do amigo Sérgio...
Cansado, deprimido, estava precisando de férias. O bom amigo sugeriu que ele
fosse para o interior na casa que era de seus pais. “Você vai se esquecer da
vida”, disse o Sérgio quando lhe entregou as chaves. Duas horas e meia de
viagem e lá estava ele, tarde da noite. O amigo tinha pensado em tudo. Tinha
pedido para a dona Rosa limpar a casa, fazer um lanche de boas-vindas e deixar
tudo pronto para um bom café da manhã.
Assim que se lembrou de tudo, percebeu
que estava com fome. Banho rápido, roupas leves, fez o café. Enquanto comia,
estava pensando no que ia fazer. Conhecia um pouco da cidade. Tinha vindo duas
vezes com o Sérgio quando os pais dele ainda eram vivos e lá viviam. Tinha
ficado com uma ótima impressão. Todos eram muito gentis e sorridentes. Ajudava
o fato de que seus anfitriões eram pessoas amadas na cidade. Até se lembrava de
alguns nomes.
Boa ideia. Iria andar pela Rua das
Dálias - a principal - até onde ela
terminasse. Conversar um pouco, quem sabe até comprar alguma coisinha. Precisava
dar um chute preciso e definitivo naquela depressão que começava a ameaçá-lo de
uma maneira mais séria.
Saiu, apenas encostou a porta: não se
sabe de roubos na cidade desde sempre. Decidiu
ir para a direita. Mal andou alguns passos e alguém sorridente lhe mandou um olá
e um vigoroso aceno de mão. Mais alguns passos e outro aceno por trás das
vidraças. Mais surpreso ele ficou quando alguém lhe disse: “Bem-vindo, tenha
uma boa estadia na Morada das Flores, Júnior”! Achou simpático, mas estranhou alguém chamá-lo
assim: nem sequer tinha Júnior no nome. Talvez o tivessem confundido com alguém.
De qualquer forma, fazia anos que não visitava o lugar. Ninguém tinha obrigação
de se lembrar.
Maurício não se importou muito com
aquilo e continuou sua caminhada. Estar ali era melhor que qualquer remédio,
que qualquer médico! Não demorou muito para vir aquela parte onde havia algumas
lojas, alguns cafés. Sempre havia gente matando tempo por ali. Mal viu as
primeiras mesas e alguém o chamou:
-Júnior, senta aqui com a gente!
Antes que pudesse conjeturar sobre
o fato de que o estavam chamando novamente de Júnior, um homem de bigode,
simpático, levantou-se, veio a seu encontro e puxou-o para a mesa:
Conversaram com ele como se ele
estivesse na cidade há muito tempo. Contaram novidades sem importância, riram
muito das piadas do Andrade - o homem de bigode - falaram até do sermão do pastor Jônatas, do
qual ele se lembrava vagamente. Era como se ele tivesse estado sempre ali. Essa
sensação só foi embora quando perguntaram sobre o Sérgio, seu amigo e, obviamente
amigo deles. Estava muito bem, obrigado. Por algum motivo, Maurício sentia que
alguma coisa não fazia sentido, embora continuasse se sentindo muito bem, muito
feliz. Foi então que quis esclarecer algo:
-Eu não sei por que vocês me chamam
de Júnior, meu nome é Maurício. Vocês sabem disso, não sabem?
Eles se entreolharam rapidamente
como se não estivessem entendendo a pergunta e antes que Maurício pudesse ir
fundo ao assunto, alguém chamava do outro lado da rua dizendo que o almoço estava
pronto. Convidaram o Maurício, mas ele tinha acabado de tomar café e, além
disso, queria andar mais. E assim continuou. Sem exceção, todas as pessoas que
passavam por ele, o cumprimentavam efusivamente: homens, mulheres, velhos e
crianças.
Maurício estava andando por mais de
40 minutos e se lembrava de praticamente tudo, o que era incrível, pois só estivera
lá duas vezes e fazia muito tempo. Finalmente ele foi chegando a uma parte da
rua que ele não conhecia. Definitivamente, não. Continuou a andar. Era uma área
mais residencial. Ainda assim, as pessoas que estavam fora o cumprimentavam com
o mesmo entusiasmo que os outros. Certamente os tinha visto na parte mais
central da cidade e por isso o conheciam.
Andou por mais uns 20 minutos e a havia
poucas casas agora. Mais à frente, no entanto, já dava para ver um certo movimento.
Apressou o passo e, de repente, sentiu uma estranhíssima sensação. Parecia a
mesma vista que via da casa onde estava, porém à esquerda. Andou, agitado, e lá
estava: a casa do Sérgio, onde estava hospedado. A rua era um círculo? Não
podia ser, aquela era a rua mais reta que ele conhecia. Andou mais um pouco, as
mesmas pessoas o cumprimentaram e, de novo e, pasmem, lá estavam o Andrade e
seus amigos. De novo, puxou-o pelo braço e o fez sentar.
Assim que se recuperou, perguntou:
-A rua das Dálias é um círculo?
Todos riram e pensaram que ele estava
brincando. Diante do olhar surpreso deles, levantou-se e foi caminhar
novamente. Atrás de si podia ouvir o Andrade chamando-o de volta pelo nome de Júnior.
Ele andou mais um pouco e quando viu a placa “Alameda das Rosas”, virou à esquerda.
Caminhou alguns blocos e, enquanto passava, os moradores o cumprimentavam.
Alguns deles pareciam os mesmos da Rua das Dálias, mas isso, agora, nem mais
parecia estranho diante do resto. A alameda foi ficando vazia e, de repente,
pôde ver algum movimento lá na frente. Sôfrego, apressou o passo.
E lá estava novamente a sua casa,
ou seja, a casa do Sérgio. Caminhou novamente em direção ao Andrade que
imediatamente veio recebê-lo, segurando seu braço. Queria respostas. Olhou
sério para todos: o Andrade, o Marco e o
Souza. Aquilo era uma espécie de prisão? Como tudo voltava para o mesmo ponto?
Os alimentos, as coisas em geral, como chegavam até eles? Como sobreviviam?
Eles realmente conheceram os pais do Sérgio? E o próprio Sérgio?
O Souza tomou a palavra. Disse que
as coisas estão sempre ali, nunca precisaram buscar nada. Os alimentos estiveram
sempre lá. Os pais do Sérgio eles conheciam muito bem porque todos descreviam
como eles eram, mas nunca os tinham visto antes. Nem o Sérgio, embora era como
se eles o conhecessem, tanto tinham ouvido falar dele.
Não entendiam por que o Júnior estava tão assustado, ele nunca tinha sido
assim. Foi então que o Marco sugeriu que o Júnior - meu nome não é Júnior,
repetia o Maurício - fosse dormir. Normalmente essas crises passam após um bom
sono.
Sem outra alternativa e duvidando que pudesse pegar no sono diante de
tanta ansiedade, ele se recolheu. Ao contrário do que imaginava, assim que
abriu a porta, sentiu um torpor enorme e foi para a cama.
O Maurício acordou na manhã seguinte. Não estranhou o lustre, nem o
quarto, nem nada. Tomou café, saiu pela rua, encontrou-se com o Andrade e com
outros. Sentia-se bem naquela cidade fechada, em que tudo estava pronto, tudo
certo, sem surpresas. Uma cidade feliz, a Morada das Flores. Nunca tinha ouvido
falar de nenhum Maurício, só conhecia seus amigos de todos os dias.
Júnior estava feliz e não trocaria sua cidade por nenhuma outra no mundo,
mesmo porque não havia outras cidades no mundo. O mundo todo era ali.
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