A Cecília fazia uma falta que não
dava nem para imaginar. O Mateus, desolado, tentava conviver com a dor. Cinco
anos já haviam se passado desde que ela tinha falecido e ele ainda sentia
aquela facada no peito como se fosse hoje. Muita gente pensa que dor de saudade
é uma dor psicológica, que dói na cabeça. Que nada, é uma coisa forte no peito,
parece que está rasgando tudo por dentro.
Para enganar a si mesmo, o Mateus
fazia, todo dia, aquela pequena cerimônia. Arrastava a cadeira para perto da
cama, pendurava uma blusa da Cecília sobre o encosto e uma saia ele estendia
sobre o assento. Era assim mesmo que ela fazia antes de seu banho. Depois se
enxugava e começava a se vestir para o trabalho. Não mais, mas pelo menos ele
imaginava. Pelo menos assim, ele tinha aquela sensação de que ela estava ali.
Era uma bobagem, mas fazia um bem danado, igual a cera analgésica que você põe
no buraco do dente que está latejando. Mais tarde, quando vinha do trabalho,
trocava aquelas peças de roupa pelo pijama dela. E dormia. Às vezes sonhava, às
vezes não. Nunca tiveram filhos, só ele e ela. Agora, ele, sozinho, curtia
aquela solidão maluca.
Chegou uma época em que ele
resolveu ir até uma psicóloga. Queria ter certeza de que não estava louco, de
que aquilo podia até ser uma coisa normal. Ela disse que normal não era, mas
não chegava a ser loucura. Seria bom, entretanto, ir se livrando desse hábito,
pois não era muito saudável. Ao invés disso, deveria começar a frequentar
outros ambientes, tentar fazer amizades com outras mulheres... Quem sabe? Ele
até tentou, mas não achava graça em ninguém e aquele procurar acabou ficando
penoso para ele. Ele conseguiu, entretanto, não fazer a cerimônia das roupas
todos os dias. Agora, só de vez em quando. A psicóloga orientou, então, que ele
tentasse, num desses dias em que ele estava melhor, fazer uma coisa definitiva.
Juntar todas as saias, vestidos, tudo da Cecília, colocar numa mala e dar para
uma instituição de caridade.
Naquele domingo, ele criou coragem.
Colocou tudo em duas malas e as deixou no canto do quarto. Noutro dia, levaria
as coisas para o Exército da Salvação. Dormiu relaxado, pensando que estava
começando ali uma nova fase de sua vida. No dia seguinte, pensou em colocar as
malas no carro e ir direto para o lugar onde iria deixá-las. Estava atrasado,
porém, e resolveu fazê-lo na volta. O
Exército da Salvação era ali perto, não haveria problema.
Teve um dia normal, não pensou
muito sobre o assunto. Conseguiu até sair um pouco mais cedo, assim daria para
ir até lá enquanto estivesse aberto. Nem guardou o carro, deixou-o estacionado
em frente à casa. Tomou um copo de água na cozinha e dirigiu-se até o quarto.
Quando abriu a porta, suas pernas começaram a tremer. Lá estavam a blusa e a
saia preferidas dela estendidas sobre a cadeira. Do mesmo jeito que ela fazia,
do mesmo jeito que ele fazia. Sobre a cama, as malas desfeitas e todas as peças
de volta no lugar. Mateus sentiu uma tontura e sentou-se no chão. Ninguém tinha
a chave casa, ninguém sabia da história.
Diante desses fatos, ele resolveu
recomeçar o seu ritual, não mais falou com a psicóloga e continuou assim até a
época da aposentadoria. Afinal, eles tinham combinado de se aposentar juntos.
Obviamente, então, ela não precisaria das roupas para trabalhar.
Assim é que as coisas aconteceram.
A psicóloga tinha aconselhado, o Mateus tinha seguido as normas. Só esqueceram
de avisar a Cecília de que iam parar com a “cerimônia”. Aparentemente ela tinha
gostado da primeira ideia do viúvo marido, também tinha saudades de sua vidinha
por aqui. Gostava de ter aquela impressão de que estava tudo normal, de que
tinha de ir trabalhar todos os dias.
A opinião da mulher é sempre
importante, mesmo porque, no final, é sempre ela quem decide... nem que esteja
do outro lado.
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