O celular
Lídia estava próxima dos 50, mas
parecia uma adolescente quando se tratava de redes sociais, uso de celular e
essas coisas de hoje em dia. Seus dedinhos eram mais velozes do que os de qualquer
garota de 16. Estava totalmente integrada neste fascinante mundo tecnológico. Enredada
nas redes sociais. Sua melhor amiga, Mara, mal conseguia acompanhá-la.
Não conseguia entender como as
pessoas de sua geração tinham conseguido sobreviver sem tudo aquilo. E as
novidades? Quase todos os dias alguém falava de um novo app, de uma artimanha tecnológica
qualquer e ela assimilava tudo... O celular estava sempre com ela, a maior
parte do tempo em suas mãos. Não saía sem ele, não ficava sem ele, não dormia
sem ele. Era o marido que não tinha.
Tudo isso era para ela, parte do
viver. A vida, porém, tem seus próprios caminhos. O sangue que corre nas veias não
corre como as informações correm livres pelo ar. Um coágulo parou o cérebro de
Lídia e este, por sua vez, parou de mandar instruções para seu coração
continuar batendo. O hardware de Lídia tinha um defeito fatal e não houve como
consertá-lo.
A Mara e mais algumas amigas
cuidaram de tudo, uma vez que Lídia, além de não ter marido, não tinha parentes
próximos, nem na proximidade.
Lá estava o corpo dela no caixão,
frio, parado, mas bonito. Quase feliz. Arrumada com um capricho de mulher para
mulher pela Mara. As pessoas conversavam e falavam as coisas que se falam
nessas ocasiões. Que coisa, hein? Tão nova! Coitadinha, sem ninguém da família
por perto! Ainda bem que havia a Mara. Tão ativa, tão esperta, como pôde
acontecer?
Isso e outras variações disso. A
Mara, porém, não falava com ninguém. Fazia um bom tempo que olhava para o rosto
da amiga querida, como se tentasse falar com ela. A uma certa altura, parecia
incomodada, algo parecia estar errado. De repente deu uma coisa nela. Saiu apressada
da sala, pegou o carro e sumiu. Foi até a casa da Lídia, vasculhou sua bolsa, pegou
um objeto e voltou correndo para o velório. Aproximou-se do corpo, descruzou as
mãos da amiga, colocou o celular no seu peito e fez com que ela o segurasse.
Era isso que estava faltando. Era
isso que a Lídia estava pedindo. Queria ser enterrada com seu “amigo”, parte de
sua vida.
A Mara deu um suspiro de alívio, um
sorriso manso. Acho que a Lídia agora estava sorrindo também, mas disso eu não
tenho certeza...
><><><><
À venda
Lançamento no Clube de Autores: Insólito
Para comprar no Brasil ( impresso ou e book) clique:
Para comprar nos Estados Unidos clique
No comments:
Post a Comment