Saturday, January 11, 2014

Infância em Perus

Infância em Perus



Oito anos, que idade é essa? Agora não sei, mas nos anos 50, era uma época de fantasia e de sonhos. Claro, havia as tragédias também. Vinham das bocas dos adultos falando de pessoas que ficaram soterrados nos poços de água que estavam cavando. Pessoas que foram atropeladas pelo trem ou que tiveram membros amputados nas linhas. Outras tristezas que eu não entendia, faladas à meia boca. Eu as podia sentir, entretanto.
Havia igualmente as tragédias coletivas. Aquela água lamacenta das enchentes cobrindo tudo, enterrando sonhos e o pouco que as pessoas tinham.
Eu via tudo lá de cima, do Morro São Jorge. Eu não tinha um reino, mas era um príncipe, vendo tudo do alto. Em dias normais, as pessoas pareciam formiguinhas andando na praça, nas ruas. Nos finais de semana, eu assistia, de camarote, aos jogos de futebol no campo do Portland.
De manhã, os trens vindo de Caieiras. Mais tarde, outros voltando da Luz. Pessoas tentando ganhar a vida, pessoas batalhando, se esforçando. Lá de cima, aquilo era meu playgorund, e eu me sentia importante. Mas logo cedo percebi que quem controlava tudo era o destino e não eu. As tragédias e a felicidade era ele quem determinava.
Mas o divertido,  mesmo, eram o circo e o parque, que, de vez em quando, apareciam por lá. As pessoas, alegres, rindo, comendo pipoca, comendo sanduíches...E as músicas, então? Agnaldo Rayol, Nelson Gonçalves e Noite Ilustrada, cantando amores que então eu desconhecia. Boleros, em espanhol, espalhando pelo ar tragédias de amor, e outros impossíveis amores que eu nem suspeitava que existissem.  A minha alma de criança nem desconfiava que aquilo era tudo um preâmbulo da existência. Eu só queria saber da diversão, mas, lá, bem no fundo, já tinha minhas dúvidas.
Minha alma de criança já desconfiava que, talvez, a vida, por mais bela que fosse, também escondesse seus medos, suas frustrações, seus momentos de dor. Mas o coração de criança é, e era, tão pequeno, tão pequeno, que mal podia conter toda aquela alegria. Não havia espaço suficiente para o mal, para a desconfiança e para a melancolia.

E foi assim que consegui continuar vivendo, lembrando-me sempre, de que um dia fui criança, e que isso era muito bom...



Estranhas Histórias

1 comment:

  1. Belas lembranças, parecem que são minhas, que conheci
    este bairro maravilhoso, romântico como as pessoas daquela época, sem violência, sem inveja e que hoje me passa a impressão que as pessoas eram perfeitas.

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