Infância
em Perus
Oito
anos, que idade é essa? Agora não sei, mas nos anos 50, era uma época de
fantasia e de sonhos. Claro, havia as tragédias também. Vinham das bocas dos adultos
falando de pessoas que ficaram soterrados nos poços de água que estavam cavando.
Pessoas que foram atropeladas pelo trem ou que tiveram membros amputados nas
linhas. Outras tristezas que eu não entendia, faladas à meia boca. Eu as podia
sentir, entretanto.
Havia igualmente as tragédias coletivas. Aquela água lamacenta das enchentes cobrindo
tudo, enterrando sonhos e o pouco que as pessoas tinham.
Eu
via tudo lá de cima, do Morro São Jorge. Eu não tinha um reino, mas era um
príncipe, vendo tudo do alto. Em dias normais, as pessoas pareciam formiguinhas
andando na praça, nas ruas. Nos finais de semana, eu assistia, de camarote, aos
jogos de futebol no campo do Portland.
De
manhã, os trens vindo de Caieiras. Mais tarde, outros voltando da Luz. Pessoas
tentando ganhar a vida, pessoas batalhando, se esforçando. Lá de cima, aquilo
era meu playgorund, e eu me sentia importante. Mas logo cedo percebi que quem
controlava tudo era o destino e não eu. As tragédias e a felicidade era ele
quem determinava.
Mas
o divertido, mesmo, eram o circo e o
parque, que, de vez em quando, apareciam por lá. As pessoas, alegres, rindo,
comendo pipoca, comendo sanduíches...E as músicas, então? Agnaldo Rayol, Nelson
Gonçalves e Noite Ilustrada, cantando amores que então eu desconhecia. Boleros,
em espanhol, espalhando pelo ar tragédias de amor, e outros impossíveis amores que
eu nem suspeitava que existissem. A
minha alma de criança nem desconfiava que aquilo era tudo um preâmbulo da
existência. Eu só queria saber da diversão, mas, lá, bem no fundo, já tinha minhas
dúvidas.
Minha
alma de criança já desconfiava que, talvez, a vida, por mais bela que fosse,
também escondesse seus medos, suas frustrações, seus momentos de dor. Mas o
coração de criança é, e era, tão pequeno, tão pequeno, que mal podia conter
toda aquela alegria. Não havia espaço suficiente para o mal, para a desconfiança
e para a melancolia.
E
foi assim que consegui continuar vivendo, lembrando-me sempre, de que um dia
fui criança, e que isso era muito bom...
Belas lembranças, parecem que são minhas, que conheci
ReplyDeleteeste bairro maravilhoso, romântico como as pessoas daquela época, sem violência, sem inveja e que hoje me passa a impressão que as pessoas eram perfeitas.