Houve
uma época em que nosso país era muito feliz
( ou
“A copa e as covas de Perus)
Houve
uma época em que nosso país era muito, muito, feliz. Havia tão poucas notícias ruins,
que os jornais nem mais tinham matéria para publicar. Você sabe como é, só
desgraça é que vende jornal. Para preencher espaço tão precioso de um noticiário,
um deles começou a publicar receitas de bolos e doces. Como não tinham muita
prática nessa nova empreitada, às vezes elas saíam incompletas, com defeitos.
Outro jornal, mais dedicado à cultura, lançou poemas de gente famosa, e
principalmente versos de “Os Lusíadas”. Isso era para o povo ficar cada vez
mais culto. Acho que deviam ser mais organizados, porém. De repente,
interrompiam a narrativa, e isso poderia prejudicar seu sentido. Valeu a
tentativa , no entanto.
Além
de não haver notícias ruins, havia um monte de boas. Um progresso sem igual.
Estradas, telefonia, tecnologia. Parecia até os Estados Unidos. Era difícil ver
alguém insatisfeito! Era mesmo um
governo bom, esse dos militares.
Você
sabe como são as pessoas. Sempre arrumam um jeito de reclamar. Começaram a
falar que esse progresso todo ia custar uma fortuna e que, mais tarde, teríamos
de pagar. Décadas e décadas de pobreza e fome para cumprir os compromissos
financeiros e seus juros. Mas não é assim que se constroem as coisas? Não dá
mesmo para satisfazer a essa gente toda. Como se isso não bastasse, até uns
coveiros do novo cemitério de Perus estavam insatisfeitos com seu trabalho. Era
um excesso. Corpo vindo de todo lado. Para acalmar a situação, disseram a eles
que não precisavam se preocupar. Estava dispensada a identificação. Além disso,
poderiam colocar todos numa só cova. Ainda bem que esse pessoal tinha visão:
era preciso facilitar o jeito de operar, pois isso, sim, fazia parte do
progresso.
Quando
o contentamento e a satisfação eram completos, ainda assim, apareceram uns
chatos. Diziam que ouviam gritos. Parecia gente sofrendo. Não sabiam de onde
vinham aqueles sons horripilantes. De casas fechadas, dos porões? Podia ser,
pois os ruídos eram abafados. Mas, acho eu, eles estavam apenas ouvindo demais.
Ainda
bem que, com o tempo, esse choro pungente foi passando. A gente tinha quase
esquecido. Nos últimos tempos, porém, não sei por quê, existem pessoas que
estão falando deles novamente. Talvez reconheceram as vozes, talvez eles mesmos
sejam os que gritaram de dor, um dia. Como eu disse, existe gente que reclama
de tudo.
Justo
agora que tudo ia tão bem, a gente quase ganhando a copa e tudo mais...
<>O<>O<>O<>O<>O<>O<>O<>O<>O<>O<>O<>
Amado mestre houve uma época onde eu era aluna de sua esposa, onde eu não sabia qual seria o presídio que iria visitar naquela semana, andei por vários e sei que isso salvou a vida de meu pai. Houve uma época em que ele foi dado como desaparecido e todos os dias ao voltar de meu serviço paorei por todos ssava pelo cemitério de Perús e me perguntava - ele estaria aqui - um dia tomei coragem fui lá durante o dia levei uma rosa e uma vela, chorei por mim e por todos os meus "tios" de paradeiro desconhecido. Mas esse tempo de treva me deu um tiquinho de luz...a escola....os poemas de Camões... " O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre..." Assim sobrevi até um dia encontrar meu pai um intelectual, um poeta moranso sob um viaduto, sem memória, sem referência.... Ao recobrar um pouco de sua memória ele me fez um grande elogio, disse que eu era inteligente, amou ver os livros em minha estante, isso tudo eu devo a vocês meus professores, as luzes cintilantes que ofuscaram a treva onde eu vivia. Parabéns. Silvana Ramalho.
ReplyDelete