Eu e
o espelho
Existe,
dentro de mim, um velho ranzinza. Fica falando, o tempo todo, que não somos
nada. Um espirro do Universo. Um momento de consciência, um momento ligeiro de
inteligência, expresso através de nossa criação. Um suspiro da essência suprema. Uma concessão. Logo a seguir, teremos
ido, nem saberemos mais o que fomos, ou para que viemos. Um nada que existiu
durante uma fração infinitamente pequena. Uma fração de tempo em que uma luz,
quase pálida, chamada vida, sobreviveu.
Existe
também, dentro de mim, um menino faceiro. Pretensioso, moleque, que pensa que
sabe. Que pensa que, com a consciência de que existe, pode se perpetuar, ser
infinito. Ser um espelho de Deus, com vontade própria e poder de decisão. Tem
certeza de sua importância, do absoluto representado pelo seu existir.
Eles
ficam, o tempo todo, brigando dentro de mim. Não conseguem se entender. Não
conseguem achar algo em comum. E eu fico, apreensivo, olhando o final se
aproximar. Não sei se tem razão o velho ranzinza, se está certo o moleque
travesso.
Enquanto
isso, enquanto esse drama não se resolve, olho no espelho. E procuro,
diligentemente, traços que provem que fui feito à imagem e semelhança de Deus.
Quem
sabe? Preciso ter a esperança, pois o velho e a criança um dia vão partir. E
daí, vão ser apenas, eu e meu espelho. E todo o infinito, que está por trás
dele, vai enfim se identificar.
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