Poema inconsequente, saturado de insensatez
Tenho pena do coitado
que pegou uma pena injusta
e, por isso, pego a pena e escrevo.
Enquanto isso, ele paga a pena.
Pergunto “Vale a pena?”
Vale quanto pesa?
Vale enquanto pensa?
Viu só como são as palavras?
Vão pulando para lá e para cá,
brincando com formas e significados,
com conteúdos contidos que não conseguem se conter.
Eu me divirto com elas.
Divirto, diversão, divisa, divagar, devasso.
Vou devagar para não divagar demais,
nas vagas do mar, nas vagas do amar.
Me apaixono pelos vocábulos,
pelos verbetes do dicionário
e pelos verbos irregulares,
pois irregular é a própria vida.
Vida, vital, via, Via Veneto,
vá logo para lá,
mas depois volte para cá!
Você já esteve lá? Na Itália?
Não permita Deus que eu morra,
Gonçalves,
Sem alguns Dias estar por cá.
Lá, acolá, ali, aí, aqui
-não confunda com caqui-
Nem com o cáqui do uniforme militar.
Oxalá, um dia eu possa estar
bem-estar, mal-estar,
-quase me esqueci do hífen-
às vezes tem, às vezes não tem,
às vezes há, outras não.
Estar de bem com a vida
e de mal com a morte?
Morro de rir das expressões,
morro também de fome, de sede.
De vontade, de cansado,
de pena do coitado lá de cima,
que nem sabe do que estou falando,
tão preocupado está com a pena que recebeu.
Mas não morro de verdade,
morrer aqui é só uma metáfora.
Ou é um anacoluto?
Talvez uma metonímia
que não me meto a explicar.
Mas um dia a gente morre de verdade,
morte morrida,
e depois a gente não fala mais
palavra nenhuma
metáfora nenhuma.
Tudo denotativo.
Sete palmos de terra,
acho que vou me cremar
-ou vão me cremar-
Crematório, purgatório só depois do velório.
Cinzas,
depois que tudo acabar,
vai ser tudo conotativo,
abstrato,
insensato.
Sem sujeito.
Nem oculto ele vai estar.
Pelo menos não vou mais precisar fazer a análise sintática,
que eu nem fazia mais.
Mais, más, demais, ademais.
A única dor que vou sentir,
unicamente, dolorida,
vai ser a dor do linguajar.
-Dolores: nunca amei uma Dolores-
A dor vai ser uma só,
somente só
a dor de não poder falar, escrever
as palavras de que tanto gosto.
Vocabulares, sibilantes, guturais, bilabiais.
E as vogais, então?
Que saudades eu vou ter.
Abertas, fechadas, entreabertas,
Vou morrer de saudades.
Melhor, vou ter morrido de saudades!
Como é complicado conjugar estes verbos,
verbos da minha amada, idolatrada,
Minha Língua, Portuguesa.
Do Brasil.
Varonil!
Não aguentei e fiz mais uma rima
rima besta, sem sentido!
Uma rima que estava faltando neste insensato,
sem senso, inassimilável poema,
que mais parece um teorema.
Um teorema que rima com semantema.
Nestes termos, peço deferimento.
Assinado: eu
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